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A área financeira sempre apresentou uma predominância masculina nos ambientes corporativos. Nos últimos anos, com a intensificação das discussões sobre a importância da representatividade feminina, muitas empresas buscaram desenvolver iniciativas para ampliar o espaço das mulheres em Finanças. Contudo, a igualdade de gênero vai além de proporções equilibradas entre homens e mulheres, envolvendo, também, uma equivalência de reconhecimento, oportunidades e respeito para ambos, de forma que ainda há muitos desafios a serem superados para que se atinja uma legítima igualdade de gênero e, portanto, uma diversidade enriquecedora para as companhias.

Apesar de mulheres ocuparem uma fração relevante dos cargos financeiros em níveis hierárquicos inferiores, somente uma pequena parte delas ascende a posições C-level. Por vezes, surgem notícias sobre Executivas que alcançaram elevados cargos na área de Finanças, a exemplo de Jane Fraser, a primeira mulher a liderar um dos maiores bancos de Wall Street em fevereiro de 2021. No entanto, o fato de Fraser ser a primeira e única Executiva a conseguir este feito tão tardiamente demonstra a dificuldade ainda existente, para o gênero feminino, de superar as desvantagens em relação aos homens no ambiente corporativo. No Brasil, somente pouco mais de 10% dos CFOs de empresas com o faturamento divulgado acima de 1 bilhão de reais são mulheres ­– de acordo com a pesquisa O Perfil do CFO no Brasil 2021, realizada pela Assetz Expert Recruitment em parceria com o Insper –, sendo que uma das principais razões para esse baixo índice é o preconceito velado contra o gênero feminino que se apresenta de muitas formas.

Entre os tipos mais comuns está o “manterrupting”, que consiste em um neologismo criado a partir das palavras “man” e “interrupting” e que se refere a momentos em que um homem interrompe uma mulher desnecessariamente por considerar a fala dela irrelevante ou errada. Na rotina de trabalho da área de Finanças, reuniões com gestores ou pares acontecem com grande frequência e, devido ao fato de posições de liderança ainda serem ocupadas majoritariamente pelo gênero masculino, esse tipo de preconceito torna-se ainda mais recorrente, tanto em reuniões presenciais quanto virtuais, em que mulheres são constantemente silenciadas, ignoradas, ou até julgadas por serem mais incisivas nas suas falas. Ademais, essa distinção entre gêneros se inicia muitas vezes já no processo seletivo, posto que várias empresas evitam contratar mulheres grávidas ou com filhos para não terem gastos extras com licença maternidade e não precisarem lidar com horários de trabalho mais flexíveis, tão necessários para Executivas que são mães. No que diz respeito a essa flexibilidade de horas, trata-se de um dos principais motivos pelos quais muitas mulheres perdem o emprego ou não são promovidas na mesma velocidade que os homens. Embora a divisão das tarefas domésticas e responsabilidades com os filhos venha se tornando cada vez mais igualitária entre pais e mães, o gênero feminino ainda possui uma sobrecarga maior em relação às questões familiares, o que se intensifica com a adoção do home-office. Segundo um estudo realizado em 2021 pela Accenture – empresa de consultoria e gestão – cerca de 29% das mulheres que trabalhavam na área financeira tiveram que deixar seus empregos temporária ou permanentemente, enquanto 34% ainda consideram a possibilidade de fazer o mesmo, principalmente por conta do cuidado com os filhos e com a casa e por não terem a possibilidade de adotar horários mais flexíveis na rotina de trabalho, levando empresas a perder talentos pela falta de empatia com a realidade dessas Executivas.

Dentro desse contexto, muitas companhias ampliam o espaço feminino dentro das organizações, porém não desenvolvem políticas recorrentes de apoio a mulher e acabam por não oferecer o suporte necessário para que elas continuem crescendo em suas carreiras. Mais uma vez, retorna-se à questão de que igualdade de gênero não se trata somente de proporções equivalentes, mas também dos mesmos direitos e oportunidades de crescimento profissional para ambos os gêneros. Para que isso aconteça, iniciativas de apoio à discussão sobre diversidade de gênero, como palestras, grupos de conversa entre Executivas, rotatividade entre homens e mulheres em posições de liderança e investigação de denúncias contra atitudes preconceituosas, são fundamentais e tendem a equilibrar as oportunidades profissionais para essas Executivas, permitindo que elas se sintam à vontade para expor suas ideias e confiantes para participar ativamente do processo de tomada de decisão. De acordo com um artigo da The Kauffman Fellows Research Center de 2019, equipes fundadoras que estimulam a igualdade de gênero são mais bem-sucedidas ao inovarem na captação de recursos junto a fundos de investimento. Assim, tanto a área de Finanças, quanto a companhia como um todo são fortemente beneficiadas com políticas de incentivo à diversidade de gênero, uma vez que a inclusão de mulheres no ambiente corporativo promove uma variedade de pensamentos que estimula outras formas de agir e solucionar problemas, contribuindo, por conseguinte, para o sucesso da empresa. Afinal, como diria a ativista paquistanesa Malala Yousafzai, “não podemos todos obter sucesso quando metade de nós é retida”.

Para compreender melhor a importância das mulheres e os desafios enfrentados por elas na busca pela igualdade de gênero na área financeira das companhias, convidamos três Executivas de Finanças para compartilharem suas perspectivas e vivências em relação ao tema.

Alessandra Segatelli

Associada | W-CFO

Carla Santello

Diretora Financeira Regional | Kellogg

Magali Leite

Associada | W-CFO

De modo geral, quais são os principais benefícios que a área de Finanças pode obter ao adotar a igualdade de gênero como um de seus princípios?

Alessandra Segatelli: O primeiro aspecto é a liderança. A igualdade de gênero permite distintos olhares e formas de gestão, e isso gera acolhimento e novas perspectivas para a solução de conflitos e desafios que enfrentamos nas empresas.

Em seguida, destaco a linha de pensamento para solução de problemas – a diversidade gera discussões muito mais efetivas e, consequentemente, melhores resultados para a companhia. Durante muito tempo, o profissional financeiro tinha um perfil definido como padrão, e uma mudança nesse sentido agrega muito valor para a área.

Carla Santello: Além do básico, que é poder contratar a melhor pessoa para o cargo (e não o melhor homem ou a melhor mulher), focar em igualdade de gênero significa permitir diversidade de pensamento: a mulher contrata e faz gestão e administração de risco de forma diferente do homem, tem uma visão diferente sobre o cliente e o produto, pois tem percepções e experiências diversas. E todas essas diferenças fazem com que uma situação seja analisada e discutida por ângulos completamente distintos, o que traz variados insights e uma assertividade enorme para qualquer empresa/departamento.

Magali Leite: Os benefícios são diversos, mas com destaque para uma visão mais humanizada na tomada de decisão, com ênfase em people skills, maior sensibilidade quanto ao clima do time e demais questões relacionadas a human skills.

Tendo em vista a difícil ascensão das mulheres a posições C-level na área financeira, como elas podem lidar com as dificuldades na rotina de trabalho a fim de construírem perspectivas de carreira a longo prazo nas empresas?

Alessandra Segatelli: A mulher ainda possui uma carga de responsabilidade grande fora do ambiente corporativo, sobretudo em países da América Latina – é uma questão cultural de séculos de enquadramento da mulher em uma determinada posição na sociedade, o que leva tempo para mudar. É muito recente esse movimento de garantir políticas de igualdade de gênero. Com isso, observamos ainda a ascensão feminina em determinados níveis, porque chega um momento em que a carreira cobra uma maior dedicação e, ao mesmo tempo, precisamos tomar decisões críticas como a maternidade, pois temos um tempo biológico para essa decisão e isso impacta muito nossa rotina e carreira. É desafiador conciliar a vida pessoal com a profissional, logo, entendo que o apoio mútuo é essencial, de forma que nós mulheres precisamos criar uma rede colaborativa para que possamos nos ajudar. Particularmente em meu caso, precisei contar com uma estrutura importante no ambiente familiar/pessoal para que eu pudesse exercer minha profissão. Sem o apoio do meu marido e das mulheres que tive para o cuidado do meu filho, não teria conseguido. Finanças exige muita dedicação, uma vez que temos processos de fechamento de resultados, construção de orçamento empresarial, estudos de viabilidade de projetos. Estamos evoluindo no equilíbrio e qualidade de vida, mas minha geração vivenciou uma rotina de longas horas de trabalho, fora a necessidade de atualização, através de complemento em nossa formação, que considero essencial. Aqui, estabeleço uma relação também com a formação, pois nossa área exige mais conhecimentos de exatas e lógica, e tínhamos um número menor de mulheres nessas áreas.

Em 2019, a Agência IBGE divulgou que as mulheres gastam, em média, 10 horas a mais por semana que os homens nos afazeres domésticos ou ao cuidado da família. Isso é muito representativo, e saber equilibrar e negociar prioridades é essencial – nós precisamos evoluir nesse sentido, pois não fomos educadas para negociar, nem para estabelecer limites. Nos cobramos para entregar tudo, o que é exaustivo e, nesse momento, perdemos talentos no mundo corporativo. Temos medo de falhar e evitamos falar de nossas conquistas.

Carla Santello: A rotina em Finanças é bastante demandante, em qualquer fase da carreira. Quando a mulher casa e tem filhos, isso tende a piorar, pois geralmente ela é a principal responsável pelas atividades da casa. A empresa pode ajudar muito nisso ao permitir horários flexíveis, o que, de forma alguma, significa trabalhar menos, mas sim adequar as atividades a um horário que permita um melhor equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Porém, acredito que muito vem de nós mesmas: para mim, por exemplo, foi difícil equilibrar o papel de mãe com o de Executiva. Se eu estava no escritório, me sentia culpada por não estar com as crianças, e vice-versa. Cheguei à conclusão (depois de muito sofrimento, devo admitir) de que o importante é qualidade, e não quantidade – tanto com os filhos, quanto no escritório. Além disso, e talvez o principal: temos que acabar com o preconceito que começa dentro de casa, ou seja, temos que colocar o marido para ajudar, e pronto! Até porque educamos pelo exemplo, e o filho que vê a mãe fazendo tudo em casa vai achar que é assim que tem que ser, mantendo um círculo vicioso. Aqui em casa, o marido e os filhos ajudam, e muito.

Magali Leite: O trabalho das mulheres deve começar antes de lidar com a rotina. É sabido que uma mulher só aceita uma posição se ela se sentir amplamente preparada para ocupá-la, ao passo que um homem geralmente se permite aceitar o desafio e continua trabalhando para estar pronto e agregar as habilidades deficientes enquanto já ocupa a cadeira. Além disso, é importante aprender a desenvolver um networking dentro e fora do seu espectro de atuação, escolher pessoas que sirvam de referência e mentores para ajudar nos momentos de maior desafio. Acreditar que é possível desenvolver uma vida de sucesso dentro e fora do trabalho e que uma coisa não impede a outra. Não busque a perfeição, busque aproveitar a jornada da melhor maneira possível, construindo relações e histórias corporativas de forma genuína, sendo fiel a seus princípios e ao propósito com o qual se compromete.

Na sua opinião, quais obstáculos ainda devem ser superados para que as companhias alcancem uma legítima igualdade de gênero?

Alessandra Segatelli: Acho que as empresas estão evoluindo nesta questão, mas ainda faltam políticas e ações que garantam efetividade da igualdade de gênero. Ainda temos uma diferença salarial representativa, e as empresas precisam estabelecer em suas metas estratégicas a presença de mulheres em posições de liderança. Empresas que oferecem um ambiente que permita a flexibilidade e outros benefícios para que a mulher consiga exercer sua profissão saem na frente. Incentivar o recrutamento de mulheres que deram pausa em suas carreiras, seja por gravidez ou outro motivo, também é importante.

Acho ainda que campanhas de conscientização/educação são essenciais. No Brasil, durante a CPI da COVID-19, houve um episódio de discussão em que uma senadora foi mais enfática sobre uma cobrança e foi chamada de “descontrolada” – existem estereótipos que precisam ser eliminados no ambiente corporativo. Uma pesquisa divulgada em agosto de 2021 pela StartSe, no Valor Invest, mostra que 46% das mulheres (foram entrevistadas 783 executivas) declararam que é um desafio diário lidar com esse estereótipo de que somos demasiadamente emocionais. Ainda nessa pesquisa, 36% mencionam a autoexigência e perfeccionismo, que comentei também anteriormente. É importante trabalharmos isso no ambiente corporativo.

Carla Santello: De forma geral, ainda existe um unconscious bias muito grande em todas as empresas: as pessoas tendem a selecionar um candidato com base em afinidade de gênero, de perfil, de formação, ou com base em experiências prévias, e isso prejudica bastante a igualdade de gênero.

Magali Leite: Incentivo top-down é fundamental; walk the talk, ou seja, o board e o C-level precisam ser diversos para que haja influência na cultura das instituições.

Você já sofreu ou presenciou algum tipo de preconceito ou falta de reconhecimento com o gênero feminino no ambiente de trabalho? Se sim, alguma providência foi tomada?

Alessandra Segatelli: Sim. Já vivenciei situações em que me posicionava ou trazia ideias e um colega repetia exatamente a mesma sugestão, mas era ouvido e tinha um retorno positivo por meio de comentários, não sendo ignorado. Aprender a se posicionar num ambiente predominantemente masculino é um desafio, porém é necessário.

Eu penso que, como líder, tenho uma responsabilidade importante em dar suporte às outras mulheres, garantir sucessão e mostrar, através do exemplo, que preconceitos, diretos ou indiretos, precisam ser transformados.

Carla Santello: Sim, já sofri preconceito, não na empresa em si, mas em uma reunião com parceiros de negócio. Eu era a única mulher à mesa de negociações e o cliente pediu que eu servisse o café. Meu gestor se posicionou imediatamente, sugerindo ao cliente que ele mesmo se servisse. É um exemplo pequeno e bobo, mas diz muito, tanto sobre o preconceito, quanto sobre o papel do líder.

Magali Leite: É muito comum as ideias sugeridas por uma mulher em uma mesa de reuniões, em que elas são minoria, serem ignoradas. Procuramos sempre reforçar o apoio a essa Executiva, bem como às suas ponderações quando algum homem tenta se apropriar dessa ideia ou se há alguma tentativa de ignorá-la.

Como integrante da minoria feminina que ocupa posições de liderança em Finanças, o que você diria para outras profissionais que almejam construir uma carreira bem-sucedida na área financeira?

Alessandra Segatelli: Busquem empresas que ofereçam um ambiente mais favorável ao seu desenvolvimento. Não tenham medo de arriscar, de liderar projetos e de pedir promoção – fomos educadas para sermos reconhecidas pelo nosso trabalho, acreditando que somente o desempenho é suficiente para o reconhecimento, e isso não é verdade. Peçam feedback e dediquem um tempo para o autoconhecimento. Aprendam sobre as prioridades da sua organização para que possam influenciar a liderança, participar de projetos importantes e buscar os aliados na sua jornada. Não tenham medo de se posicionar diante de temas e pessoas, mesmo que ainda sofram com o estereótipo. Continuem a se atualizar – o caminho do conhecimento é essencial, e hoje temos que desenvolver vários skills em Finanças, como BI.

E, por fim, permitam se ver como líderes – muitas vezes, não tivemos exemplos de lideranças femininas no ambiente em que crescemos, mas cabe a nós transformar isso e abrir o caminho para a próxima geração.

Carla Santello: Se arrisquem mais. Usem sua rede de contatos, aliás, desenvolva sua rede de contatos! E, principalmente, cobrem-se menos: nós até conseguimos ser mulher maravilha, mas não precisamos ser. E quando você entende que não há necessidade de ser uma, consegue se destravar de uma série de amarras.

Magali Leite: Mesmo que não se sinta 100% pronta para a posição, vá com medo mesmo e corra atrás de se qualificar ao longo da jornada. Life long learning é para todo mundo, mas não custa reforçar, pois mantém qualquer profissional sempre competitivo por melhores posições.