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Além da estrutura acionária, do segmento em que atua, da nacionalidade e da cultura organizacional, o porte da empresa deve ser cuidadosamente analisado para compreender qual é o perfil ideal do Executivo de Finanças para determinada companhia. Organizações maiores e menores apresentam necessidades e prioridades distintas e, por conseguinte, demandam diferentes habilidades técnicas e comportamentais do profissional.

Companhias maiores não somente costumam favorecer a especialização técnica em determinada disciplina de Finanças – uma vez que a estrutura interna é mais subdividida -, mas também levam o Executivo a desenvolver conhecimentos específicos dos seus negócios e dos setores em que atuam. Ademais, tendem a apresentar um ambiente mais complexo, repleto de particularidades e com operações mais diversificadas, uma vez que costumam atuar de forma mais corriqueira no mercado de capitais e estão em constante transformação, o que exige um aprendizado contínuo e profundo por parte do profissional. Por outro lado, companhias menores tendem a possuir operações com um menor grau de complexidade e que envolvem menos especificidades. Normalmente, os esforços de sua área de Finanças acabam se concentrando mais em uma boa gestão do fluxo de caixa e no cumprimento das obrigações fiscais e quase nada em certas disciplinas financeiras que fazem parte da rotina de empresas maiores, como Relações com Investidores, Planejamento Financeiro, Controles Internos e Auditoria Interna. Assim, em companhias de porte menor, costuma-se exigir do Executivo um perfil mais generalista e menos especialista.

Outrossim, no que diz respeito às habilidades comportamentais, as mais requeridas pelas empresas de portes maiores estão diretamente relacionadas à formação de alianças, comunicação efetiva, influência e capacidade analítica. Tendo em vista a estrutura bem dividida dessas organizações e a grande quantidade de stakeholders, são necessárias habilidades de negociação e de formação de alianças bem desenvolvidas para que a relação entre as diferentes áreas internas se mantenha saudável, de modo que a tomada de decisão seja mais assertiva e a área de Finanças cumpra seu papel de apoio ao negócio. Além do mais, devido ao tamanho das equipes, experiência relevante como líder de líderes é fundamental para que haja compromisso e entrega por parte do time. Em relação às companhias de porte menor, flexibilidade e proatividade são indispensáveis no dia a dia. Uma área de Finanças mais generalista e com times menores faz com que o Executivo tenha que cumprir funções completamente díspares, desde discussões puramente estratégicas até atividades mais operacionais, o que demanda um perfil hands-on e adaptável. Resiliência também se faz muito importante em empresas de pequeno porte, já que as decisões tendem a ser centralizadas na figura do dono e a mudança brusca de rota faz parte da sua rotina diária.

Um ponto primordial nessa análise é o que diz respeito à transição de carreira entre companhias de portes distintos, já que se trata de uma fase que demanda adaptações e impões desafios. No mercado de trabalho, a mudança de um Executivo Financeiro de uma organização maior para uma menor é algo mais trivial, pois muitos profissionais, após acumularem experiência em corporações mais estruturadas e complexas – que servem como benchmark -, optam por aplicar seu profundo e bem consolidado conhecimento em empresas de porte menor, contribuindo significativamente para o aprimoramento de suas práticas de governança e para o desenvolvimento de suas operações. Contudo, a mudança inversa, ou seja, de uma organização de porte menor para uma de porte maior é menos usual e exige que o profissional de Finanças se adapte a uma tomada de decisão mais matricial e descentralizada. No entanto, é necessário lembrar que, independentemente do tipo de transição que será realizada, o estreitamento de relações com os demais Executivos da companhia e a boa comunicação com seus líderes facilitam a adaptação às suas novas funções e ao modus operandi da nova empresa.

Dessa forma, a fim de compreender melhor as exigências técnicas e comportamentais e as variações quanto aos desafios enfrentados em companhias de portes distintos, convidamos três Executivos financeiros que já atuaram em empresas de diferentes tamanhos para compartilharem suas perspectivas em relação ao tema.

Alexandre Otomo

CFO | Oba Hortifruti

Francis Silva

CFO | Coimexcon e Mycon

Suely Morales Zinezi

VP de Finanças | Rocket.Chat

Quais são as principais diferenças em relação às capacidades técnicas desenvolvidas pelo Executivo de Finanças em uma empresa de porte maior e em uma de porte menor?

Alexandre Otomo: Entendo que as capacidades técnicas estão associadas, em um primeiro momento, à complexidade agregada ao negócio. Empresas de maior porte têm, em geral, maior diversificação em suas linhas de negócio e, consequentemente, em suas estruturas de suporte, exigindo maior amplitude funcional dos Executivos de Finanças, com responsabilidades como, por exemplo, Relações com Investidores (para empresas de capital aberto), M&A, Serviços Financeiros e outras áreas menos comuns em empresas de menor porte.

Além disso, a maior escala justifica uma maior especialização nas funções, exigindo maior capacidade analítica do Executivo para direcionamento da companhia nos temas mais variados, especialmente considerando que seu envolvimento em atividades operacionais é reduzido.

Por outro lado, empresas de menor porte exigem grande flexibilidade do profissional para navegar rapidamente de temas estratégicos até os mais operacionais no dia a dia.

Francis Silva: As capacidades técnicas desenvolvidas em empresas de maior porte geralmente estão ligadas às prioridades e dores pontuais daquele negócio, ou seja, não existe muito padrão. Podem ter companhias no mesmo setor e de porte semelhantes, mas as capacidades desenvolvidas dependerão se as empresas estão com viés de expansão, reestruturação de dívidas, implantação de sistema, desenvolvimento da estrutura de governança, entre outros motivos. Como os projetos de companhias maiores possuem ciclos mais longos, o tempo despendido pelo Executivo nessas iniciativas será maior, de forma que o profissional se especializará nos assuntos relacionados.

Em empresas de menor porte, por sua vez, como os ciclos são mais curtos e as prioridades são diversas, a tendência é que o profissional desenvolva habilidades técnicas em diferentes frentes, obviamente sabendo que, nesse caso, a complexidade dos projetos costuma ser menor do que nas empresas de grande porte. Com isso, o Executivo poderá, ao mesmo tempo, estar trabalhando com um projeto de implantação de sistema e discutindo corte de custos ou atração de investidores. Outro fator que leva ao desenvolvimento de habilidades técnicas com perfil mais generalista é o padrão organizacional das empresas menores, que tem times mais enxutos e menos separações internas. O que é muito comum ser desenvolvido em instituições de menor porte é a especialização em reestruturação ou organização de processos, pois, em geral, essas empresas sempre demandam melhorias nesse sentido.

Suely Morales Zinezi: Em uma empresa de grande porte, o desenvolvimento de capacidades técnicas acontece de maneira mais planejada e orientada para novos modelos de gestão que endereçam as necessidades e perspectivas da companhia.

Já em empresas de porte menor, no caso de startups, por exemplo, as métricas financeiras estão em constante evolução. As perspectivas de crescimento de receita, visão de lucratividade, captação de recursos e investimentos no negócio são bastante diferenciados na perspectiva dos investidores e requer uma atualização nos conceitos financeiros utilizados, quando comparados a uma empresa madura de grande porte. Por outro lado, também é importante reforçar a aplicação de fundamentos de Finanças que necessitam ser implementados, como, por exemplo, estruturação de centros de custos, adequação de prática contábeis, elaboração de políticas e processos adaptados para a realidade e recursos disponíveis da empresa.

Ademais, benchmarking e compartilhamento de experiências continuam sendo um ponto relevante e comum em qualquer porte de empresa.

E em relação às habilidades comportamentais?

Alexandre Otomo: Pela maior complexidade organizacional, empresas de maior porte exigem grande capacidade de comunicação e de negociação para viabilizar projetos, mobilizando diferentes áreas internas e garantindo transparência e segurança ao Conselho de Administração.

Já empresas de menor porte exigem grande capacidade de orientação e treinamento, uma vez que os times, em geral, são mais generalistas e menos seniores, demandando com intensidade a agenda do Executivo para o desenvolvimento dos seus colaboradores.

Francis Silva: Certamente as habilidades comportamentais de execução e autonomia são as mais desenvolvidas em empresas de menor porte. A execução está relacionada às questões já abordadas no tópico anterior, como demandas de curto prazo e equipes mais enxutas, ou seja, colocar a mão na massa é condição quase mandatória para realizar as entregas. Já a autonomia é demandada e, por consequência, desenvolvida, pois em empresas de menor porte é comum que as cadeiras de CEO ou membros do Conselho sejam preenchidas pelos founders e que, geralmente, estão mais conectados às questões comerciais e operacionais, dando ao profissional de Finanças um papel de protagonismo em todos os aspectos financeiros da companhia.

Quanto às empresas de maior porte, desenvolvem-se habilidades como planejamento, gestão de pessoas e negociação. O planejamento está atrelado à questão de ciclos mais longos dos projetos e suas complexidades, que exigem do profissional uma boa organização das atividades frente aos objetivos. Já o gerenciamento de equipe é desenvolvido em função da estrutura organizacional mais robusta e com subdivisões, que leva a uma necessidade de gestão e disseminação das prioridades para todo o time, de forma que todas as engrenagens girem em sincronia e, obviamente, na mesma direção para a realização das mudanças esperadas pela organização. Por último e não menos importante, a negociação é promovida em todas as interações com áreas pares, pois em empresas grandes dificilmente será desenvolvido algo sem o envolvimento de alguma outra área, considerando o nível mais avançado de governança e a própria dimensão da organização empresarial.

Suely Morales Zinezi: É necessário estar sempre disponível a todos para perguntas, dúvidas e diversos tipos de problemas, auxiliar sua equipe na execução de tarefas e apresentar um perfil hands-on, sem se colocar em um papel hierárquico ao qual, em uma empresa de maior porte, facilmente seria delegado.

Além disso: habilidade em comunicação, adaptável a todos os tipos de stakeholders; encontrar uma linguagem simples e objetiva para buscar a atenção necessária dos Executivos; e ajudar no processo de tomada de decisões.

Ter consciência clara das limitações de recursos para administrar as prioridades e propor trade-offs para adequar as expectativas, sempre priorizando sustentar o crescimento da companhia.

Não diferindo de outras empresas em qualquer porte, é sempre importante desenvolver relacionamento junto aos demais Executivos para que as decisões estratégicas passem pela área de Finanças antes de se tornarem definitivas. É papel do Executivo financeiro buscar essa inclusão e aproximação das demais áreas da empresa para uma participação mais ativa do que passiva.

De forma geral, o que muda na agenda e nas prioridades do CFO de acordo com o porte da empresa em que trabalha?

Alexandre Otomo: Em minha visão, à medida que as estruturas crescem, acompanhando o porte da empresa, mais os times têm autonomia para atuação nos temas operacionais, direcionando a agenda do CFO para contribuir com a estratégia e direcionar a expansão (orgânica e inorgânica) e transformação da companhia. Nesse sentido, agendas externas ganham maior importância com bancos, investidores e outras empresas com potencial para parceria/ M&A.

Francis Silva: Muda muito. Enquanto na empresa de maior porte a agenda é mais direcionada para assuntos específicos, nas organizações de menor porte a agenda é mais diversificada, com os assuntos de Finanças concorrendo usualmente na agenda do CFO com outras especialidades, como Jurídico, Recursos Humanos e TI. Essa situação é comum, pois o CFO nas corporações de menor porte estão com outras áreas em seu escopo também, então é muito provável que em um dia comum esse profissional esteja discutindo no início da manhã o fechamento contábil, no início da tarde, a estratégia de defesa dos processos judiciais em andamento e finalize o dia discutindo a implantação de uma nova política de RH.

Nas grandes empresas, a tendência é que os assuntos de rotina sejam capitaneados pelos gerentes de cada subsistema financeiro, enquanto o CFO destinará parte do seu tempo em rituais de gestão de acompanhamento dessas rotinas e parte em projetos de Finanças prioritários para a companhia naquele momento, que podem ser M&A, captação de recursos, programas de redução de custos e despesas, reestruturação de dívidas, estudo de viabilidade de ampliação da produção, implantação de um novo sistema, abertura de capital, transformação digital, enfim, grandes iniciativas que exigirão uma dedicação relevante na agenda do CFO.

Suely Morales Zinezi: Um ponto interessante a se destacar é que a visão de curto, médio e longo prazo de uma startup, é bem diferente de uma empresa já madura com processos e negócios estabelecidos.  O processo decisório tem que ser muito mais rápido e capaz de reagir a mudanças do mercado que podem ter impactos relevantes na continuidade dos negócios.  Enquanto o crescimento esperado de uma empresa madura gira em torno de 3 a 6% ao ano, por exemplo, uma startup pode chegar a crescer 200%, 300% no ano, o que requer dedicação na organização e implementação de processos que ofereçam suporte a esse exponencial aumento de escala.  Por outro lado, o controle sobre os recursos financeiros e a cautela de não investir em processos administrativos tão rapidamente é sensível, uma vez que startups normalmente são “mono produto” e não possuem outras receitas que possam compensar uma eventual queda abrupta de receita.

Em adição a isso, a agilidade no processo de previsão de cenários financeiros, ao mesmo tempo em que se dedica em organizar processos mais estruturados para geração de informações financeiras de qualidade, é um papel fundamental na agenda do CFO de uma startup.

Quais foram as adaptações necessárias e os principais desafios encontrados durante a transição que realizou entre empresas de portes diferentes (da maior para a menor ou vice-versa)? Que dicas você daria aos Executivos Financeiros que planejam fazer essa transição?

Alexandre Otomo: Em minha transição, tive como um dos grandes desafios, considerando o cenário de uma empresa em forte processo de aprimoramento de sua governança corporativa, liderar a transformação de uma área de Finanças transacional e operacional para uma área mais estratégica e conectada ao core business, preparada para os desafios de uma companhia em forte crescimento e com ambições de abertura de capital.

Ademais, uma das adaptações exigidas foi relacionada à amplitude da posição, envolvendo escopos fora da minha experiência profissional (ex.: gestão de áreas de prevenção de perdas e segurança patrimonial, preparação da companhia para abertura de capital e gestão de Relação com Investidores etc.).

Considero, nesse contexto, como questão-chave para o processo de transição que passei, a composição de uma equipe forte, motivada para executar as transformações necessárias e com habilidades e perfis comportamentais complementares. Além disso, o estabelecimento de parcerias com os demais Executivos da companhia, criando relações de absoluta transparência e apoio mútuo. Esses foram fatores cruciais para sustentar as entregas da área, em meio aos desafios de transformação das rotinas e, principalmente, das pessoas.

Francis Silva: Da empresa de pequeno porte para a de grande porte, minha dica é que o profissional esteja preparado para um ambiente em geral mais formal e com o processo de tomada de decisão mais moroso, assim como é importante formar parcerias com Executivos que já conheçam os detalhes da companhia. Já na mudança da organização de maior porte para a de menor porte, minha principal recomendação é superar o preconceito de que tudo o que você encontrará está errado. Em geral, as empresas de pequeno porte têm um tipo de gestão mais simples e até em certo ponto frágil, mas a simplicidade e agilidade é o grande valor desses negócios. Ao invés de refutar tudo, tente melhorar o que já existe, com foco principal em mitigar os riscos existentes. Aliado a isso, valorize os colaboradores engajados e agregue a esse ecossistema novos talentos.

Eu, como profissional, já fiz as mudanças nos dois sentidos e acredito que a transição para uma empresa de maior porte é a mais desafiadora e que demanda mais adaptações. Os principais desafios que encontrei foram entender como funcionava o processo decisório, a quem recorrer em cada assunto, quais regras deveriam ser atendidas, enfim, uma série de adaptações que demandam tempo e proatividade de entender aquele novo ambiente. No movimento oposto, por sua vez, o que mais me trouxe desafios foi liderar frentes fora da caixa de Finanças, como Recursos Humanos e Jurídico.

Suely Morales Zinezi: Alguns dos principais desafios de fazer a transição de uma empresa madura de grande porte para uma startup são:

Falta de informação organizada e a necessidade de construir dados para desenvolver informações financeiras de maneira regular;

Conscientização e comunicação sobre mudanças essenciais nos processos sem gerar o viés de burocratização e perda de agilidade das atividades operacionais da empresa; e;

Em qualquer nível hierárquico, as atividades administrativas funcionam num modelo self-service, o que ocupa parte do seu tempo, mas que, após alguns meses, se torna totalmente adaptável à sua agenda.

É muito importante ter consciência de que o retorno financeiro é alto, porém é estruturado para longo prazo (4 anos ou mais) e com riscos. As startups ainda estão em processo de estruturação e seu papel é fundamentar e ancorar muitos processos. Você precisa acreditar no potencial do negócio e no plano estratégico da empresa e ter a clareza da necessidade de construir, implementar e participar ativamente não somente do processo decisório, mas também da construção em si da área de Finanças.