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A área de Finanças volta-se cada vez mais ao desenvolvimento do negócio da companhia e à tomada de decisão estratégica ao invés de se estabelecer estritamente como uma função mais técnica. Dessa forma, haja vista a realidade de um mercado mais instável e incerto, percebe-se a necessidade dos líderes de Finanças oferecerem um suporte contínuo aos gestores de áreas como vendas, marketing e operações.

No que diz respeito ao suporte especialmente à área de vendas, responsável direta pela geração de receita da companhia, Finanças, devido a sua visão holística da organização, contribui significativamente para diversos aspectos, como a avaliação de políticas comerciais de produtos ou serviços, a preparação de demonstrações financeiras que antecipem tendências e apontem para uma decisão mais segura e assertiva, elaboração de análises de resultado por cliente, canal ou região, e a definição das metas para o pagamento de comissão aos vendedores. Tais iniciativas são fundamentais para que o Diretor Comercial possa utilizá-las como base para estruturar o seu plano estratégico e executá-lo.

Para que a parceria entre Vendas e Finanças seja eficaz e apresente resultados positivos para a companhia, é necessário não somente o apoio técnico de ambas as partes, mas principalmente um bom alinhamento entre elas. Desse modo, é fundamental que haja confiança e um alto senso de empatia por parte de todos os Executivos, que devem possuir uma escuta ativa e buscar entender o pensamento, os desafios e as necessidades da outra área. Embora as equipes financeira e comercial sejam distintas, as duas devem pensar como um só time que trabalha em conjunto em prol da empresa. Assim, uma comunicação efetiva torna-se imprescindível para o sucesso dessa relação, de modo a direcionar claramente as ações necessárias para o atingimento de metas e a endereçar qualquer ruído que possa surgir.

Outro aspecto importante é a compreensão acerca do papel do CFO nesse processo. O líder da área financeira deve ter em mente o seu protagonismo no processo de tomada de decisão, desenvolvendo flexibilidade, proatividade e, principalmente, fácil adaptação a mudanças, habilidade considerada a mais desenvolvida por 48% dos Diretores Financeiros que responderam à pesquisa O Perfil do CFO no Brasil 2021. Além disso, as capacidades de negociação e de criação de alianças fazem-se necessárias para que os Executivos de Finanças estabeleçam prioridades em comum com a área comercial, ou seja, tomem decisões baseadas em um único mindset e trabalhem nas mesmas ações de forma mais produtiva e eficiente. Qual é o objetivo da vez? O que precisa ser avaliado e, consequentemente, executado para alcançar determinada meta? Em quais pontos as perspectivas e os objetivos financeiros e comerciais convergem? Esses são exemplos de perguntas que devem ser levadas em consideração para a definição e o alinhamento de um mindset único entre ambas as funções.

Para compreender mais a fundo o papel da área de Finanças no suporte à área de Vendas, além dos desafios e oportunidades atrelados a essa relação, convidamos três Executivos para compartilharem suas perspectivas e vivências sobre o tema.

Lucianna Costa

Diretora Financeira Sênior | Johnson & Johnson Consumer Health

Luis Molina

VP de Vendas | Danone

Sebastián Villegas

Diretor de FP&A e Business Partner Brasil | The Mosaic Company

Que tipo de análises técnicas a área de Finanças pode e deve desenvolver para suportar a área de Vendas na tomada de decisão estratégica?

Lucianna Costa: Com um pensamento cada vez mais integrado, a área de Finanças precisa criar valor para a companhia, não apenas de forma especializada, mas construindo em parceria com outras disciplinas e liderando um olhar estratégico. Destaco elementos estratégicos, como:

•  Antecipar tendências e impulsionar escolhas para o negócio com a visibilidade de implicações financeiras para P&L, Balanço Patrimonial e Fluxo de Caixa. Análises e avaliações com uma linguagem clara para alertar sobre sensibilidade e impactos futuros.

•  Garantir que as demonstrações financeiras sejam precisas e acuradas, assegurando robustos processos e aprovações;

•  Liderar e engajar os líderes de áreas sobre como priorizar o retorno do investimento em todas as áreas;

•  Por fim, garantir o compliance. É responsabilidade de Finanças proteger o negócio, garantindo a conformidade com as regras contábeis e os controles adequados. Não existe o jeito certo de fazer a coisa errada.

Luis Molina: Economia volátil, ambiente inflacionário, custos em alta. Em uma carreira de mais de 30 anos, há tempos não via tantos motivos e, por consequência, tanta necessidade de integração entre Vendas e Finanças.

Sob minha liderança, não tem nenhuma decisão relevante em Vendas que não passe por análise de Finanças. Na verdade, trabalhamos como um grande time multifuncional.

GTM e Revenue Management são dois grandes exemplos de áreas sob liderança de Vendas que demandam frequentes análises do time de Finanças – nada é aprovado sem um entendimento profundo do impacto no P&L. Atacado ou distribuidor? Cobertura direta ou indireta? Aumento de tabela preço ou downsizing? Prazo ou desconto? Finanças não tem só papel na tomada de decisão de Vendas em temas estratégicos, também é chave no processo de educação e aprendizado com análises de ROI e post-mortem das iniciativas.

Sebastián Villegas: A área financeira precisa ter competências técnicas que permitam lidar com vários tipos de dados, em diferentes formatos vindos de diversas fontes. Saber, a partir desses dados, desenvolver modelagens, business cases ou cálculos de retorno sobre investimentos para chegar a conclusões de forma rápida e eficiente.

O que é necessário para que a relação entre essas duas áreas seja bem-sucedida, a fim de contribuir para o desenvolvimento do negócio da companhia?

Lucianna Costa: O líder de Finanças ou gestor precisa desenvolver um pensamento cada vez mais humanizado, empático e com atributos de colaboração com a área Comercial.

Para contribuir para o desenvolvimento do negócio, é importante colocar-se no lugar do outro, compreender que temos papel e responsabilidades diferentes, lembrar que trabalhamos com o mesmo objetivo e que somos um único time.

Durante nossa jornada é possível haver divergência de opiniões, inclusive, elas são importantes para o desenvolvimento do nosso negócio. O bom uso dessas diferenças nos ajuda a construir, inovar, incluir e ser diverso. Outro elemento importante é confiança, a qual é conquistada por meio das experiências e interações entre os times.

Na construção dessa confiança, é importante assegurar alta segurança psicológica entre todos, garantindo discussões em que as pessoas se sintam seguras o suficiente para correr riscos, compartilhar preocupações, perguntas e sugerir ideias. Esses três elementos garantem criatividade, aprendizado e inovação que contribuem para desenvolvimento do negócio e da companhia.

Luis Molina: Poderia citar diferentes fatores que contribuem para uma relação de sucesso entre Vendas e Finanças, mas tem um que, na minha opinião, é decisivo – alinhamento de direção e metas.

Transparência e conversa franca fazem total diferença. Desenvolver os planos de ação em conjunto e garantir que os times tenham metas comuns é um divisor de águas.

Um bom exemplo é ter meta de rentabilidade em todos os níveis de Vendas. Já não existe espaço para um time de Vendas que só olha para top line (faturamento, volume), é preciso ter elementos de bottom line (lucro) como desafio para as pessoas que estão no campo. Na falta de um P&L detalhado por canal, região, cliente, pode-se utilizar medidas de mix ou R$/Kg para buscar um melhor balanço, um crescimento sustentável.

Sebastián Villegas: Na minha experiência, o sucesso de todo relacionamento começa com a construção de uma relação de confiança e respeito, de modo que a área Comercial veja Finanças como um parceiro que entenda a dinâmica do negócio e utilize todos seus conhecimentos para suportar as respectivas decisões estratégicas.

Você já vivenciou alguma situação desafiadora na relação entre as duas áreas? O que fez para superar essa situação e qual lição tirou dela?

Lucianna Costa: Já vivenciei algumas situações desafiadores com a área de Vendas, como a necessidade de maiores investimentos comparado com o nosso plano, a exigência de aumento de limite de crédito para clientes com elevado risco financeiro, entre outros. Desenvolvi o mindset de colocar o cliente no centro das nossas decisões, facilitando as discussões nesses momentos desafiadores, de forma a resultar em decisões mais eficientes e de maior valor agregado para o negócio.  Aprendi, também, a desenvolver um pensamento mais ágil, trabalhando em diferentes análises e atitudes, além de tomar mais riscos para operarmos neste mercado em constante transformação e volátil. Por fim, tem sido importante para mim ouvir com cuidado, reconhecer e agradecer a contribuição dos times, bem como focar no futuro.

Luis Molina: Quando as áreas estão próximas e alinhadas, os desafios passam a ser de todos e da empresa – isso ajuda a minimizar as diferenças e conflitos.

De qualquer forma, pela natureza de cada uma das áreas, pode-se divergir sobre a forma, data e intensidade, por exemplo, da execução de um aumento de preço, de uma produtividade qualquer. Vendas é a interface com o mercado e tem por obrigação sensibilizar Finanças e demais áreas da empresa dos potenciais impactos e riscos de uma decisão desse tipo na relação com os parceiros e clientes.

Por exemplo, para evitar um corte no calendário promocional e risco de retaliação de clientes importantes, pode-se revisar o % do próximo aumento de preço, ou mesmo sugerir produtividade em despesas de administração, viagens.

O importante é entender que o resultado é de todos. Que Finanças e Vendas lutam pelo mesmo objetivo. Dito isso, precisamos estar abertos a alternativas que levem ao mesmo resultado.

Sebastián Villegas: Quando cheguei no Brasil, foi para ocupar a posição de Gerente de Crédito e Soluções Financeiras, função na qual tive que trabalhar muito próximo da área Comercial. Não vou mentir, percebi alguns preconceitos no começo, mas tentei me mostrar próximo das pessoas e equipes, estreitei relacionamentos viajando muito e visitando clientes, algo que a área comercial respeita, e suportei decisões importantes para o crescimento do negócio.

No início, os relacionamentos começam com uma etapa de “conhecimento mútuo e avaliação”, e às vezes podem existir alguns tipos de pré-julgamentos. Escutar muito, mostrar interesse em aprender sobre o negócio e contribuir com ideias têm me ajudado a superar alguns desafios com a área Comercial.

Quais são as principais habilidades comportamentais que o Executivo financeiro deve desenvolver para ter sucesso no suporte à área comercial?

Lucianna Costa: O executivo de Finanças precisa ter mais protagonismo em suas decisões e entender que é parte fundamental da operação, atuando como parceiro e player do negócio, com colaboração e ONE TEAM mindset. Adicionalmente, deve apresentar resiliência, agilidade e capacidade de adaptar-se às mudanças, uma vez que vivemos no mundo VUCA. Além disso, inspirar e contribuir com ideias que desafiam o status quo, tendo coragem de testar e aprender com os erros. Hoje, é necessário, também, que saibamos desenvolver uma narrativa que ajude a organização a trazer de forma simples a estratégia da companhia, facilitando a interpretação financeira. Desenvolvimento pessoal constante e do time é outra forma de assegurar que estamos potencializando as capacidades individuais da equipe para assegurar formação de times de alta performance.

Luis Molina: Entre vários comportamentos que contribuem para a performance do executivo de Finanças no suporte à Vendas, destaco dois principais: proximidade e foco externo.

Estar próximo, presente e focado no que acontece fora da empresa, com os parceiros e clientes fará TOTAL diferença. Viva o dia a dia de Operações de Vendas, Trade Marketing, saia a campo, visite clientes e lojas.

Não é fácil estabelecer confiança entre os profissionais dessas duas áreas. Estar presente, participar das discussões com a liderança de Vendas, da construção dos JBPs dos clientes, da comunicação de um aumento de preço, de uma mudança nos termos comerciais, trará um aprendizado único e um nível de transparência fundamental para a fluidez, simplificação e, por consequência, dará velocidade nas decisões de negócio, que dependem do trabalho conjunto e de muita colaboração de ambas as áreas.

Sebastián Villegas: Além de um conhecimento amplo do negócio e suas dinâmicas, a capacidade de adaptação para diferentes momentos ou requerimentos, a habilidade de comunicação e a proatividade são aspectos comportamentais chaves para o sucesso no suporte à área Comercial.