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A área de Finanças volta-se cada vez mais ao desenvolvimento do negócio da companhia e à tomada de decisão estratégica ao invés de se estabelecer estritamente como uma função mais técnica. Dessa forma, haja vista a realidade de um mercado mais instável e incerto, percebe-se a necessidade de os líderes de Finanças oferecerem um suporte contínuo aos gestores de áreas como Vendas, Marketing e Supply Chain.

Quando se trata especialmente da relação entre Finanças e Supply Chain, a área financeira tem como principal função buscar compreender como os fatores externos e internos impactam as necessidades e o dia a dia da cadeia de suprimentos da companhia através de análises financeiras, projeções e simulações de cenários. Assim, é papel do business partner de Finanças para Supply Chain desenvolver estudos de viabilidade econômico-financeira para avaliar novos projetos e novos investimentos em CAPEX (Capital Expenditure), controlar inventários e projetar e acompanhar os custos diretos e indiretos de produção e as despesas relativas à manufatura, compras, armazenagem, logística e distribuição. Também é preciso estimar e levar em consideração os eventos externos que afetam diretamente a cadeia, como a diminuição da demanda global, o aumento da inflação, a variação de câmbio, a escassez de fornecedores e a falta de matéria-prima.

Embora tais análises financeiras sejam imprescindíveis para a definição de soluções mais eficientes e que trarão maior retorno para o negócio, a colaboração entre as duas áreas, por meio de reuniões regulares, é de suma importância para um maior alinhamento entre as partes. Um trabalho colaborativo estimula uma comunicação mais eficiente e, por conseguinte, uma compreensão mais apurada de como Finanças pode garantir o equilíbrio financeiro da cadeia produtiva como um todo. Ademais, faz-se necessário questionar e desafiar os processos e ações de Supply Chain: perspectivas distintas podem trazer novos insights e até identificar possíveis erros e melhorias. O Executivo de Finanças, por possuir uma visão holística sobre o negócio da companhia, pode contribuir de forma relevante para a orientação estratégica da cadeia de suprimentos de uma organização.

Para que essa relação entre as áreas se mantenha saudável, o CFO precisa resguardar seus liderados na interação com os Executivos de Supply Chain e garantir que eles atuem de forma flexível e adaptável às mudanças, haja vista o cenário mundial incerto, agindo como um propositor de ideias para viabilizar o avanço das iniciativas do que alguém que simplesmente fala “não” e não auxilia a alcançar o “sim”. Além disso, o profissional de Finanças necessita ter empatia para compreender as necessidades e os desafios do outro lado e possuir grande habilidade de negociação, pois ambas as áreas possuem conhecimentos e visões diferentes, mas necessitam, juntas, chegar às melhores soluções e atingir os melhores resultados para a organização.

A fim de compreender a fundo o papel de Finanças no suporte às áreas de Supply Chain, incluindo os desafios e oportunidades dessa relação, convidamos três Executivos para compartilharem suas perspectivas e vivências a respeito do tema.

Cléber de Sousa

CFO Latin America South | Bridgestone Americas

Frederico Moraes

CFO | Metalfrio Solutions

Que tipo de análises técnicas a área de Finanças pode e deve desenvolver para suportar a área de Supply Chain na tomada de decisão estratégica?

Cléber de Sousa: Lógico que tudo depende de qual decisão estratégica estamos falando. Mas, de uma maneira bem ampla, as análises precisam extrapolar as barreiras da área de atuação. Devemos levar em consideração fatores internos e externos, de modo que uma análise completa demostra impactos E2E e não fica somente em variações de um P&L, FCF e WC.

Muitas empresas geralmente tomam decisões baseadas em fatores internos e, como consequência, veem-se impactadas por uma variação de câmbio, inflação, commodities e concorrência, começando, então, as explicações intermináveis e uma série de impactos no negócio.

Importante começar pelo básico, seja para um investimento ou para uma análise de custos. A partir disso, incrementa-se valor. Nós, de Finanças, sempre tentamos fazer tudo de uma única vez, porém precisamos começar as análises com segurança e ir transformando com o passar do tempo (step by step).

Frederico Moraes: A área de Finanças produz relatórios que permitem à Supply Chain acompanhar a aplicação de suas estratégias e detectar possíveis problemas na estrutura de custos e na cadeia de suprimento. Esses relatórios incluem o índice de inflação no custo de materiais, o acompanhamento de custo do BOM (Bill of Materials) dos produtos e o componente importante de capital de giro, mais relacionado aos prazos de pagamentos a fornecedores e estoques.

Contudo, é importante também ressaltar que a simples preparação de relatórios, por mais exatos que sejam, pode ser uma análise superficial. Reuniões colaborativas entre as áreas de Finanças e Supply Chain podem aprofundar mais na compreensão da cadeia de suprimentos, e um melhor entendimento de lead times, capacidade de flexibilização da produção, capacidade de padronização dos SKU’s e saúde financeira dos fornecedores são fundamentais para uma cadeia de suprimentos mais eficiente e robusta.

O que é necessário para que a relação entre essas duas áreas seja bem-sucedida, a fim de contribuir para o desenvolvimento do negócio da companhia?

Cléber de Sousa: Não somente para essa área, mas tudo começa com a confiança. Esse primeiro step é superimportante para uma relação bem-sucedida. O sentimento de “fazer parte” é algo que gera mais valor do que ter o “nós“ e o “eles” e que vem principalmente da confiança.

No mundo corporativo, a melhor forma de conseguir isso, na minha opinião, é através de alguns fatores:

• Conhecimento: precisamos entender a cadeia produtiva, desde os nossos fornecedores até a entrega do nosso produto ao cliente final. Entender o operacional nos ajuda a conhecer o dia a dia das áreas que atendemos como business partner e, assim, mostrar propriedade dos assuntos e contribuir com insights e recomendações;

• Colaboração: importante sempre se colocar no lugar do outro, entender as dores e as dificuldades do time de Supply Chain, com isso, a colaboração deve ser exercida e, como consequência, o respeito sempre existirá;

• Desafio: algo que nós, de Finanças, e talvez por nossa cultura, evitamos fazer é desafiar. O poder de desafiar é extremamente necessário para uma empresa bem-sucedida. Não podemos simplesmente não colocar os pontos para um debate saudável, somos parte do negócio e temos a visão E2E, ou seja, quem melhor para gerar os desafios?

Frederico de Moraes: A interação colaborativa entre essas áreas é de extrema importância para que a companhia tenha uma boa performance.  Em conjunto, elas devem buscar ter um completo entendimento da cadeia de suprimentos, explorar novas oportunidades e possíveis sinergias, definir a priorização de projetos e acompanhar o resultado das estratégias definidas.

Uma boa relação entre as duas áreas pode prover visibilidade no desenvolvimento do negócio da companhia e, atuando com agilidade, poderá ser criada resiliência e uma importante vantagem competitiva.

Você já vivenciou alguma situação desafiadora na relação entre as duas áreas? O que fez para superar essa situação e qual lição tirou dela?

Cléber de Sousa: Com certeza. Desafio é o que não falta para nós de Finanças. O questionamento e o desafio são validos para os dois lados. Conhecer o todo é fundamental para evitar qualquer discussão sem o contexto necessário.

Contudo, manter a calma, o respeito e a discussão focada no mais importante para o negócio é crucial. Uma situação desafiadora em que o objetivo é fazer o melhor para empresa aproxima os lados e não os afasta: learning by doing.

Saber ouvir nesse momento é importante, é uma lição que levo com muito carinho em minha relação com qualquer pessoa/área. É normal termos nossas convicções e pontos e, com certeza, precisamos ser ouvidos, mas, muitas vezes, o saber ouvir pode nos trazer resultados surpreendentes. Como diziam meus avós, não existe dono da verdade e o aprendizado existe em qualquer lugar ou hora.

Frederico de Moraes: Acredito que todos estes acontecimentos nos últimos dois anos e meio foram sem precedentes, tanto pelos impactos, quanto pelas quantidades de eventos. Vivenciamos em um curto espaço de tempo uma pandemia global que, primeiramente, enfraqueceu a demanda global, seguida por restrições nas cadeias de suprimentos e, posteriormente, com eventos pontuais, como o bloqueio do Canal de Suez, até a eclosão de um conflito militar na Ucrânia. Todos esses eventos trouxeram a inflação para níveis muito elevados, colocaram em dúvida a eficiência da globalização e do modelo just-in-time e impuseram diversos riscos na cadeia de suprimento.

Nesse período, foi imprescindível a instalação de um Cash War Room, onde Finanças e Supply Chain passaram a ter reuniões diárias para garantir a liquidez da empresa e evitar rupturas no processo de produção devido à falta de componentes. A agilidade que esse modelo de relação trouxe possibilitou uma importante vantagem competitiva, permitindo à companhia ganhar mercado enquanto concorrentes enfrentavam paralisações de produção.

Quais são as principais habilidades comportamentais que o Executivo financeiro deve desenvolver para ter sucesso no suporte à área de Supply Chain?

Cléber de Sousa: São inúmeras, mas vou focar em 3:

• Empatia: com certeza, o primeiro nesta escala. Precisamos entender o outro lado antes de sair discutindo, emitindo recomendações ou simplesmente desafiar para mostrar trabalho. Esse comportamento precisa estar embasado de conhecimento da base e do dia a dia da área de Supply Chain para fazer a correta leitura e colher os frutos da relação;

• Pensamento inovador: não discuto que temos que fazer o básico primeiro, como garantir processos, procedimentos e compliance. Mas, buscar coisas novas, análises padrão mostradas por outro ângulo, benchmarking entre áreas e empresas, ideias de quem está de fora do dia a dia, se tornam essenciais para o relacionamento ter sucesso. Além disso, em vez de falar só de números, demonstrar exemplos usando produtos da empresa em que você trabalha, como a cada táxi, diária de hotel, refeição etc., precisamos vender x produtos da nossa empresa. Isso ajuda a ver os cenários de maneira diferente e mais realista para pessoas que não trabalham em Finanças;

• Humildade: algo que sempre tive comigo. Quando sei algo, eu sei, porém, caso não saiba, não tenho nenhum receio de dizer que não sei, mas que vou buscar entender. Prefiro não dar uma resposta a falar algo sem ter a certeza. Isso gera empatia, confiança e o sentimento de ser quem nós somos de verdade. Não temos vergonha disso!!! Sempre reforço por onde passo, precisamos ser nós mesmos, onde quer que seja. Isso, com certeza, ajuda a gerar confiança em uma parceria de sucesso.

Frederico de Moraes: Primeiramente, este(a) executivo(a), por estar em constante contato com diversas áreas da companhia, deve buscar garantir um alinhamento das estratégias dos diferentes departamentos da empresa às estratégias e condições da cadeia de suprimentos. Deve, também, compreender que as pessoas de outras áreas, inclusive de Supply Chain, podem não ter um completo entendimento de relatórios técnicos financeiros, como uma DRE, Balanço Patrimonial e DFC, de forma que se torna importante a simplificação dessas informações para que os demais departamentos consigam agir de forma mais eficiente. E, por fim, deve ser capaz de consolidar todas essas estratégias e riscos envolvidos em projeções financeiras, a fim de garantir que a companhia mantenha liquidez e progrida com um bom resultado.