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Ao mudar de emprego, o profissional de Finanças atravessa um período crucial durante os primeiros 90 dias para adaptar-se ao negócio, à equipe, ao líder e à cultura organizacional da nova empresa. No entanto, mais do que um momento de adaptação, cabe ao Executivo financeiro realizar uma análise inicial sobre o cenário em que se encontra, compreender as prioridades da organização e do seu líder direto e, enfim, desenhar um plano para definir metas e priorizar ações futuras.

Segundo Michael Watkins, autor do livro Os primeiros 90 dias – Estratégias de Sucesso Para Novos Líderes, trata-se de um período de aquisição de valores e conhecimento, de modo que, após esses meses iniciais, o Executivo atinge o que Watkins chama de “ponto de equilíbrio”, em que o valor consumido pelo profissional é o mesmo agregado à empresa. Dessa forma, após os primeiros 90 dias, espera-se que o Executivo financeiro passe a ser um “contribuinte líquido de valor”, apresentando resultados para a organização. Nesse sentido, o o profissional financeiro deve investir em um aprendizado eficaz, ou seja, buscar, em um curto período, informações essenciais sobre a companhia, como os recursos de que ela dispõe e casos de sucesso e insucesso. Além disso, é fundamental uma observação atenta da situação real da área na qual o profissional está inserido, a fim de conhecer a fundo o seu modus operandi e identificar riscos e oportunidades em relação ao nível de maturidade das atividades, controles, processos e tecnologia utilizada. Investindo tempo ao estudo da nova organização e da situação da área, o Executivo será capaz de formular uma sugestão de plano com metas de curto, médio e longo prazos bem alinhadas com as principais necessidades encontradas. Pode-se, inclusive, manter os processos maduros que já geram bons resultados e propor ações corretivas que trarão um aumento na eficiência e qualidade daquilo que é produzido. Deve-se saber identificar o equilíbrio entre entender o cenário e agir, a fim de se adaptar à nova empresa e alcançar os objetivos esperados no seu processo de contratação.

Ao mesmo tempo, faz-se necessária uma leitura inicial das fortalezas, pontos de desenvolvimento e motivações dos membros do time e como se dá a interação da área com os principais stakeholders internos. A partir desse levantamento, deve-se avaliar se há aderência entre as habilidades técnicas e comportamentais da equipe de trabalho e suas respectivas funções. Também é preciso preparar o time para que cada membro esteja aberto a adotar outras formas de agir e de pensar, adaptando-se às novas exigências e ao novo estilo de liderança. Para isso, é de suma importância que o profissional recém-chegado estabeleça uma comunicação eficaz com o seu líder direto e com os líderes das outras áreas da companhia, compreendendo quais são as suas prioridades e envolvendo-os como agentes de mudança ativos. Transparência e diálogo aberto fazem toda a diferença, já que facilitam o alinhamento de expectativas quanto às entregas, o processo de definição de prioridades e, principalmente, a criação de relações sólidas e baseadas em credibilidade e confiança.

Para compreender melhor a importância dos primeiros 90 dias em Finanças em um novo emprego, os desafios enfrentados nesse período de adaptação e os passos que se deve seguir a fim de obter sucesso, convidamos três Executivos financeiros para compartilharem suas perspectivas e vivências em relação ao tema.

André Moreira

CFO | Forno de Minas/ McCain Foods

Patrícia Albuquerque

Diretora Financeira da PhageLab e associada da W-CFO Brazil

Tatiana Campos

CFO | Johnson & Johnson

De modo geral, quais são as análises iniciais que devem ser feitas pelo profissional financeiro recém-chegado à companhia em busca de uma maior compreensão acerca da realidade encontrada?

André Moreira: Primeiro de tudo, é identificar quem são as pessoas chaves que vão lhe contar com transparência e factualidade a realidade da empresa. O que vai bem, o que precisa melhorar, quais são as áreas de foco. É fundamental que você invista o maior tempo possível nessas pessoas, sendo pares, líderes ou subordinados. Isso vai lhe ajudar a entender quais são os pontos de atenção que você deve acompanhar de perto.

Também aprendi que, no começo de um novo desafio, não tem jeito: temos que nos dedicar em dobro e entrar detalhadamente em todos os aspectos da nossa nova função. Conheça todos os seus relatórios, processos, métricas, e questione muito o porquê e como que cada coisa é feita. Isso lhe dará um conhecimento amplo da área e profundidade dos temas para que você comece a estruturar a sua lista de oportunidades. Por fim, conheça o seu time ao máximo possível. Não apenas da sua primeira linha de reporte, mas o time todo. Esta conexão direta é fundamental para você se familiarizar com a operação do dia a dia e entender onde, de fato, as oportunidades estão, além de gerar uma relação de empatia e confiança com a equipe.

Patrícia Albuquerque: O ponto inicial é entender a cultura da empresa e como está organizada do ponto de vista de estrutura, negócios, informações e pessoas.  Para isso, é essencial conversar. E conversar muito! A Diretoria Financeira transita por todas as áreas da empresa, e é justamente essa cultura que será a espinha dorsal para estabelecer um padrão de desempenho dentro das equipes, para o engajamento dos funcionários nas atividades diárias e batimento da meta corporativa anual.

Tatiana Campos: 1) Investir tempo para aprender sobre a nova empresa, pessoas e dados; 2) Construir um networking produtivo; 3) e entender a visão e os principais desafios.

Quais foram os maiores desafios que você enfrentou durante os primeiros 90 dias como Executivo Financeiro no processo de adaptação ao novo emprego? O que você fez para superá-los?

André Moreira: Para mim, o processo de adaptação cultural certamente foi o mais complicado, principalmente porque migrei de uma empresa multinacional de grande porte para uma empresa brasileira, familiar, de médio porte e em outra cidade, o que significou uma mudança cultural grande em todos os aspectos. O que busquei fazer foi conviver o máximo de tempo possível com as pessoas, em todos os níveis e áreas da organização, e escutar o que as elas tinham a dizer. Importante ter a ciência de que é você que precisa se ajustar à cultura da empresa e não ela a você. Acho que esse é um dos grandes fatores que fazem as pessoas falharem no começo de um novo emprego, quando já chegam com um perfil montado e tem dificuldade em se adaptar à forma da companhia operar. Um outro ponto importante também é sobre a ansiedade que nós geramos em nós mesmos em relação ao próprio processo de onboarding na nova companhia. O quão rápido nos cobramos para começar a gerar resultados é perigoso, porque pode nos levar a decisões precipitadas. É importante que, nos primeiros 90 dias, o seu foco principal seja em aprender e absorver as informações para que, a partir daí, você forme a sua própria opinião e comece a tomar as decisões estratégicas. Um alinhamento com o seu líder sobre “o que é sucesso” para os primeiros 30, 60 e 90 dias também ajuda a acalmar essa ansiedade e garantir que o foco inicial será na aprendizagem.

Patrícia Albuquerque: Quando eu cheguei à PhageLab, tive um onboarding e recebi as minhas principais missões para o 1º trimestre: Auditoria, consolidação da operação e resultado para as 11 empresas do Grupo, e o planejamento financeiro para 2022.  Sem sombra de dúvidas, a Auditoria, para um recém-contratado, é um grande desafio, pois você não estava na empresa durante o período que está sendo auditado, tampouco ainda têm todos os subsídios necessários para responder as perguntas feitas pelos auditores. E não tem outro jeito de fazer: o lance é arregaçar as mangas, ler bastante, reunir informações, colocar a mão na massa e ser o elo de ligação entre todos.

Tatiana Campos: Um grande desafio e comum é iniciar uma nova posição no meio de uma entrega grande no curtíssimo prazo. Para superar esse desafio, pilares que me ajudaram foram: 1) Se não tiver todos os dados, confie no time, na sua intuição; 2) Volte a fazer o processo de integração formal, uma vez que o projeto acabe, e dedique tempo; 3) Comunique, comunique e comunique até o fim do “sprint”.

Qual seria o papel do líder direto a fim de garantir uma melhor adaptação do novo Executivo de Finanças à área e à organização?

André Moreira: O líder tem um papel fundamental de oferecer as ferramentas necessárias para acelerar o processo de integração à nova organização. É ele que deve estruturar uma agenda para guiar sobre os principais temas que você precisa conhecer, as pessoas com quem você deve conversar e os objetivos em que você precisa focar. Com esses três pontos claros, cabe a você mergulhar neles e manter uma comunicação aberta e frequente com o seu líder para trocar ideias, alinhar as prioridades e validar os caminhos que você esteja seguindo. É importante que você mantenha uma comunicação constante, uma vez por semana, para conversar sobre os principais temas que você tem acompanhado. Nesse momento inicial, a proximidade é essencial para você conhecer seu líder, a sua forma de trabalhar, criar relacionamento e validar que o seu processo de aprendizagem está no caminho correto.

Patrícia Albuquerque: Com certeza, o diálogo franco e direto é a melhor alternativa para a construção de relações de confiança e respeito. E isso automaticamente cria um impacto positivo  e facilita – e muito – o processo de adaptação. Eu tive a sorte de ter um líder com quem posso contar, de modo que sempre alinhamos as expectativas de entrega, desvios de rota, redefinição de prioridades, entre outros. Fazemos reuniões constantes, trocamos ideias e experiências. Nós temos uma diversidade etária, somos os mais velhos da empresa e naturalmente temos um diferencial de bagagem e experiência. Por outro lado, estar aberto para o novo e para uma aprendizagem constante é essencial. O lema é ser inclusivo. Eu acredito que quanto mais colocamos pessoas diversas dentro da sala, mais ricas são as discussões e mais ágil é a busca de uma solução eficiente. Procurar sempre esse conjunto diversificado de profissionais é primordial.

Tatiana Campos: Nos melhores onboardings que tive, meu líder direto: 1) Dedicou tempo a minha integração; 2) Várias reuniões curtas, pois, conforme falamos, com mais pessoas, novas perguntas surgem, então ajudava bastante a ter esse tempo recorrente e mais frequente nos primeiros 90 dias; 3) Ao fim dos 90 dias, gosto de fazer um resumo do diagnóstico e revisar com meu líder direto para alinhar o plano de ação.

Baseando-se nos primeiros 90 dias à frente da área financeira em uma nova companhia, quais dicas você daria para a elaboração de um plano de ação consistente e alinhado com as prioridades do líder direto e da organização como um todo?

André Moreira: A primeira, sem dúvida, é entender o contexto em que a empresa está no momento. Qual a estratégia, necessidades, anseios e oportunidades e o histórico dos últimos 2-3 anos para que você entenda a jornada da companhia. Isso lhe dará mais assertividade no plano para garantir que ele esteja em linha com o que a empresa precisa e espera de você nesse momento. A segunda é entender quais são os tópicos importantes na agenda do seu líder e como você consegue ajudá-lo a entregar. Garanta que os projetos que você está tocando vão fazer a diferença nas entregas do seu gestor. Isso lhe garantirá mais recursos, exposição e, tudo dando certo, recompensas. E por fim, valide o seu plano com outras pessoas. Pares do negócio, subordinados e, se possível, com a pessoa que esteve na sua posição no passado. Eles lhe trarão uma visão mais profunda sobre a real necessidade e importância do seu plano de ação, além de se sentirem parte dele, o que é fundamental para gerar a tração necessária a fim de que o plano saia do papel.

Patrícia Albuquerque: O plano de ação seria organizar as áreas de Controladoria, Tesouraria, Tributação e Relações com Investidores. Temos o papel não somente de gerir a operação da empresa, mas de estrategistas para possibilitar a expansão de negócios e de catalisadores para mudanças para a conscientização da redução de custos corporativos, as compras ou a implementação de preços e política comercial.

Tatiana Campos: Para a estratégia de um plano de ação, recomendo ter extrema clareza das prioridades da empresa e do seu líder. Complete o ciclo de onboarding e fazer um bom diagnóstico de fortalezas e oportunidades. Seu plano de ação precisa incluir: 1) Pessoas; 2) Priorização; 3) Balanço entre curto, médio e longo prazo.

Como o profissional financeiro pode alcançar o ponto de equilíbrio nos primeiros meses no novo emprego, apontando erros e demonstrando evolução, mas, ao mesmo tempo, sem gerar desentendimento com o novo time?

André Moreira: Fazendo perguntas que levem as próprias pessoas a chegarem às respostas ao invés de afirmações que possam ser precipitadas ou vistas como arrogância. Entenda a jornada da empresa e tenha a maturidade para entender que nem tudo está errado e que você também não resolverá todos os problemas em apenas algumas semanas, como achamos que conseguimos. Escolha as suas batalhas e tenha habilidade para colocar as discussões na mesa sem expor os outros, sempre contextualizando o porquê de as coisas serem feitas daquela maneira e porque agora têm que ser diferentes.

Patrícia Albuquerque: Na nossa área, não existe meio-termo. Temos o dever de fazer nosso trabalho nos mais altos padrões de ética, conduta e compliance, com foco na agenda ESG e criação de valor para todos os stakeholders (sejam sócios, funcionários, comunidades, clientes etc.). E, muitas vezes, vamos tomar decisões impopulares em prol dessa agenda.  O que vale é a diplomacia e a conversa franca e direta.  É importante que a empresa como um todo entenda o nosso papel, desempenhando funções diversas e desafiadoras relacionadas à gestão, preservando o patrimônio da empresa e minimizando os riscos.  Ocupar a cadeira número 1 de Finanças tem seus desafios, ainda mais sendo mulher.  Nós temos sempre que provar o quão competente somos.  Não é fácil, mas não é impossível. Tenho como objetivo promover a diversidade e inspirar novas profissionais mulheres na área de Finanças, sendo integrante e mentora do W-CFO Brazil. Um relatório da S&P Global Market Intelligence de 2019 mostra que empresas que apostam em mulheres estão multiplicando os resultados. Segundo a pesquisa, empresas com CFOs do gênero feminino apresentaram desempenho superior no preço das ações, em comparação com a média do mercado. Nos 24 meses após a nomeação, CFOs mulheres viram um aumento de 6% na lucratividade e retornos de ações 8% maiores. Dados da McKinsey Study ainda mostram que mulheres na liderança têm maior resultado operacional (48%), maior alta no faturamento (70%) e menos casos de falência (20%). Somos protagonistas e podemos ser o que desejarmos ser. Vamos que vamos!

 Tatiana Campos: Muitas vezes, conseguimos identificar oportunidades de melhoria ao chegar numa empresa com um olhar fresco e, também, com um conhecimento diferente. Antes de apresentar uma oportunidade, certifique-se de que, durante seu onboarding, você conseguiu passar credibilidade e entendeu todos os motivos. Além disso, seja humilde e aberto para uma discussão dos pontos que levantar. Priorize o que realmente causa maior impacto. Escolha entre 1-2 coisas a fazer e, após implementadas, passe para as próximas 2. Não aja baseado em uma lista de 10 coisas concomitantes.