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A evolução do tema ESG no mundo corporativo tem sido impulsionada principalmente pela “preocupação crescente” da sociedade em torno da “sustentabilidade”. A afirmação é da própria ONU, divulgada no site do Pacto Global. O conceito de sustentabilidade se solidificou por meio da pauta ambiental e da urgência da sociedade industrializada do século 21 em reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), outras formas de poluição, o desmatamento e outras agressões à biosfera.

Contudo, há diversas “sustentabilidades” na pauta ESG. Uma delas está localizada da porta para dentro das empresas e envolve a letra G (Governance/Governança), responsável por zelar pela longevidade dos negócios ao criar sistemas de conduta para que as empresas sejam transparentes e funcionais, de forma que mantenham suas atividades econômicas no longo prazo e ajudem a promover a democratização do consumo e um mercado de trabalho sólido que dê às pessoas condições de exercerem atividades econômicas remuneradas.

Dessa maneira, o tema da Governança se entrelaça com a outra letra da sigla ESG. O “S” de Social é apontado por parte considerável dos CFOs como a vertente mais desafiadora para desenvolver ações sustentáveis e, principalmente, mensurá-las, sobretudo da porta para fora da empresa. A dificuldade reside na natureza subjetiva do tema, aliada à falta de métricas claras para avaliar a efetividade das iniciativas nessa área.

Diversidade: porta de entrada do “S” nas empresas

Quando o assunto é a promoção do “S” dentro do ambiente corporativo, as companhias buscam desenvolver, mais recorrentemente, programas de fomento à diversidade que permitam aos executivos um controle maior da eficácia e da evolução das ações. Supostamente, é mais fácil aumentar a equidade dentro da empresa em termos de número de homens e mulheres, por exemplo, do que desenvolver projetos sociais eficazes e mensuráveis da porta para fora da organização. Contudo, isso não quer dizer que as ações de diversidade dentro das companhias não apresentem desafios.

Para Patrícia Barreto, CFO da Boston Scientific do Brasil, companhia do setor da saúde, o departamento de Finanças sempre foi muito masculino e, hoje, ainda segue dessa maneira na maioria das empresas. Entretanto, a Executiva ressalta que as iniciativas em diversidade têm avançado, e não apenas às relacionadas a gênero, mas, também, às que abrangem diferenças de geração, etnia e outros aspectos.

Em duas décadas no mundo de Finanças, Fernanda Barrocal, CFO da Kraft Heinz Brasil, do segmento de alimentos, diz que percebe o que chama de “evolução contínua da área” quando o tema é diversidade. A executiva acredita que, hoje, há uma compreensão clara de que a adoção de diferentes perspectivas é fundamental para que as decisões financeiras sejam tomadas de forma mais sólida e criativa.

Tatiana Campos, CFO Brasil da Serasa Experian, bureau de crédito, defende que os últimos anos aceleraram o progresso da pauta de diversidade. No entanto, para que questões de equidade e de ascensão de mulheres e outros grupos sub-representados a cargos de liderança avancem ainda mais na área financeira das empresas, é essencial adotar uma abordagem multifacetada. A executiva da Serasa Experian destaca que promover a diversidade de gênero em cargos de liderança não é apenas uma questão de igualdade, mas também uma forma de impulsionar o sucesso empresarial como um todo.

Para integrar grupos minoritários, a Kellanova — empresa do setor de alimentos, anteriormente conhecida como Kellogg’s — criou um programa de grupos de afinidades, que reúne mulheres, pessoas não brancas, membros da comunidade LGBTQIA+, jovens trabalhadores, pessoas com deficiência, entre outros grupos. Para fazer funcionar a diversidade dentro da empresa de modo cada vez mais natural, Carla Santello, VP of Corporate FP&A da Kellanova nos Estados Unidos, destaca a necessidade de conduzir processos seletivos já estruturados. E um dos pontos principais é “apagar eventuais vieses” que o executivo possa ter, ainda que inconscientes.

Justiça social dentro das empresas

Patricia Leisnock, CFO do Hospital Israelita Albert Einstein, diz que o desenvolvimento das pautas relacionadas ao “S” da sigla ESG pode ser compreendido como busca pela “justiça social”. Contudo, ela faz questão de pontuar que ações filantrópicas, isoladamente, não transformam as companhias em empresas engajadas nessa luta. É preciso estratégia e projeto consistentes e duradouros, e isso pode começar pelo cuidado com os colaboradores.

O Einstein mantém há muito tempo um programa de diversidade e inclusão, que se solidificou com o objetivo de promover uma cultura cada vez mais diversa e inclusiva. Para ela, o envolvimento da alta liderança é essencial, uma vez que as empresas não conseguem implementar estratégias eficazes de diversidade sem o engajamento genuíno dos líderes.

Nesse ambiente, Leisnock destaca que o CFO está diretamente envolvido nas tarefas relacionadas à promoção da justiça social, porque, no final, cria valor para a empresa. A executiva afirma que essa iniciativa traz resultados financeiros mais duradouros. Ela ressalta que a igualdade de oportunidades e a inclusão “criam um ambiente de trabalho mais justo e fortalece a reputação, atraindo pessoas que valorizam práticas empresariais éticas e responsáveis” e que são, geralmente, “mais engajadas e produtivas”.

Com essa intenção, de disseminar a justiça social a partir do seu ambiente interno, a Boston Scientific do Brasil criou um grupo de trabalho chamado “Community”, que desenvolve pautas voltadas à promoção da diversidade e seus desdobramentos. A área está inserida no guarda-chuva da CFO, Patrícia Barreto.

Campos, da Serasa, destaca que dentro da empresa há programas de incentivo à liderança feminina. A executiva enxerga a Serasa Experian em “contraste com a realidade de mercado” diante do comprometimento com a inclusão, que, segundo ela, “resulta em um cenário mais equilibrado e produtivo”. Como prova, destaca que a companhia foi escolhida pelo FirstJob como uma das “Melhores Empresas para o Talento Feminino” em 2024.

A diversidade tem se proliferado também dentro da área de Finanças liderada por Campos, que conta com 250 colaboradores e 48% de mulheres. “Além do desenvolvimento da base, temos focado em níveis de liderança, inclusive eu sou a primeira mulher a ocupar esse cargo”, destaca a CFO.

Na Kraft Heinz Brasil, há um compromisso com o que Barrocal chama de “contratação inclusiva”. Neste ano, a empresa alcançou a marca de 45% de mulheres em cargos de liderança, e, segundo a executiva, a ideia é ter 50% das posições de gestão na mão de mulheres até 2026. Para ela, “Finanças também faz parte dessa estratégia e tem um papel fundamental de acelerar o crescimento do negócio fazendo a coisa certa e impulsionando a diversidade em todos os nossos processos de recrutamento”. Para tanto, a Kraft Heinz Brasil desenvolveu indicadores próprios de aspectos voltados ao Social.

Empregabilidade, cargos e salários

Leisnock, CFO do Einstein, ressalta a importância da requalificação para melhorar a empregabilidade dos funcionários diante dos novos desafios impostos pelas tecnologias de ponta.

Soluções como a inteligência artificial têm potencial para alavancar a produtividade. Contudo, é possível que determinadas tecnologias desestruturem o mercado de trabalho antes de outras funções aparecerem para equilibrar essa dinâmica. E, quando isso acontecer, os profissionais devem estar preparados para abraçar novas funções e novas atividades. 

Nesse sentido, o Einstein tem promovido programas de treinamento para seus colaboradores, já pensando na empregabilidade no médio e longo prazos. Os programas da empresa de saúde acumulam média de 40 horas de treinamento por pessoa ao ano.

Além da empregabilidade, outra pauta que tem avançado dentro de algumas empresas por imposição da agenda ESG é a construção de programas de cargos e salários e a igualdade de remuneração relacionada às mesmas atividades.

Impactos sociais da porta para fora

Na promoção de impactos sociais da porta para fora da empresa, Campos, da Serasa Experian, trabalha no controle do valor investido em ações para a comunidade. Ela e sua equipe também acompanham de perto os maiores projetos voltados ao Social, como é o caso do “Transforme-se”, que capacitou mais de mil pessoas com ensino e profissionalização em Informática e Programação. Além disso, a Serasa Experian oferece educação financeira e mentoria com profissionais de dentro da companhia, tudo isso de forma gratuita, segundo Campos.

De maneira prática, a área de Finanças da Serasa Experian garante que um percentual do EBIT seja separado e protegido para ser dedicado às práticas ESG da companhia. “Afinal, precisamos custear e financiar essas ações para que performem da melhor maneira e alcancem bons resultados. Temos uma responsabilidade com a sociedade como empresa e asseguramos que será cumprida com todo o investimento”, acrescenta a executiva.

Para Leisnock, do Einstein, é necessário que as grandes companhias ajudem os fornecedores na adequação às questões sociais e outras pertencentes à pauta ESG. Para a executiva, as companhias maiores “têm uma responsabilidade com a comunidade bastante grande, especialmente nesse relacionamento com fornecedores. Hoje, a gente conhece casos em que esses stakeholders são depreciativos para as companhias. Mas as grandes empresas têm o poder de multiplicar boas práticas”, destaca.

Ainda que haja algumas métricas voltadas ao “S” das pautas ESG, as executivas mencionam a dificuldade de ter indicadores mais exatos que possam ajudar a recalibrar as ações, especialmente no que diz respeito à atuação da empresa nas pautas sociais da porta para fora. Este talvez seja um dos pontos de atenção a serem resolvidos pelas companhias que pretendem ser referências em ESG.

No caso da Kellanova, uma métrica bastante presente no cotidiano do CFO é utilizada para entender se a empresa está conseguindo atingir pontos importantes da pauta Social: trata-se do custo de aquisição de insumos. Como empresa global de alimentos, a Kellanova terá um papel importante nas próximas décadas – o de manter os preços dos alimentos a um nível acessível para uma população que deve saltar para algo perto de 10 bilhões de habitantes até 2050, segundo projeções da ONU.

Algumas soluções estão à mesa. A diversificação do portfólio e, em alguns casos, a compressão da margem de lucro para aumento das vendas por unidade são algumas das saídas possíveis. Mas é a melhoria da produtividade com as novas tecnologias a solução destacada por Santello nesse caminho de aumentar a disponibilidade de alimentos saudáveis. Contudo, ela faz um alerta: “não há como dizer que isso será feito, não importa o custo. Nesse sentido, o meu trabalho está no ‘como fazer’, de forma que me gere receita no final do dia”, diz a executiva.

A ampliação da disponibilidade de alimentos depende da sobrevivência dos players do mercado com amplo poder de distribuição, como é o caso da Kellanova e suas principais concorrentes. Por isso, o sustento de níveis saudáveis de rentabilidade dessas companhias é essencial.

Nesse ambiente desafiador, Santello diz que tem como uma de suas funções levar à sociedade civil e aos governos os dados sobre os desafios que estão no horizonte para o atendimento de toda a população mundial no que diz respeito à alimentação. Problemas relacionados à falta de uniformidade nas legislações e regulações acabam atrapalhando, diz Santello.

“A discussão que a gente tem com o governo é como que pode ser atendida a demanda relacionada às novas legislações [mais exigentes na questão da saudabilidade dos alimentos e na rotulagem deles] para entregar o que as autoridades querem, mas de uma forma eficiente também para as empresas”, ressalta a executiva.

Assim, diversidade e inclusão não são apenas tendências passageiras, mas sim pilares fundamentais para o sucesso e a sustentabilidade das empresas no futuro. Além disso, podem trazer significativas vantagens competitivas, desde a inovação até a geração de valor ao longo do tempo, com um ambiente de trabalho mais arejado e que permita o desenvolvimento profissional. 

Para os CFOs, a emergência das pautas sociais, e mais especificamente de diversidade, exige uma abordagem estratégica que inclua o desenvolvimento de políticas inclusivas, o monitoramento de métricas e a requalificação contínua dos colaboradores. À medida que as empresas avançam em suas jornadas de ESG, a capacidade dos CFOs de liderar com visão e compromisso será crucial para garantir que as práticas de diversidade sejam integradas de maneira eficaz, impulsionando o crescimento sustentável e o impacto positivo na sociedade.

Tatiana Campos

CFO Brasil | Serasa Experian

Patrícia Barreto

CFO | Boston Scientific do Brasil

Carla Santello

Vice-Presidente Corporativa de FP&A | Kellanova nos Estados Unidos

Fernanda Barrocal

CFO | Kraft Heinz Brasil

Patricia Leisnock

CFO | Hospital Israelita Albert Einstein