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Para profissionais médios de uma organização, a entrada ou a saída de um colega de equipe na organização pode parecer trivial. Tão trivial que, muitas vezes, esquecem-se de que, por trás dessas movimentações existem duas práticas muito importantes e distintas entre si:

1. A prática do mapeamento sucessório: na qual a entrada (ou saída) de um profissional faz parte de um plano cujo intuito é prepará-lo para níveis mais estratégicos da organização.

2. A prática da reposição de talentos: na qual entrada (ou saída) de um profissional tem como intuito incluí-lo dentro para preencher uma lacuna técnica comportamental ou estratégica.

A literatura é vasta para ambas as práticas. Para a prática do mapeamento sucessório, os estudos versam que toda organização precisa, para fins de governança, ter seus talentos mapeados a fim de mantê-los engajados e não os perder para a concorrência – além de, claro, mitigar os riscos do próprio negócio. Em 2009, a SEC (Securities and Exchange Comission), por exemplo, emitiu um boletim (14E) discorrendo sobre a prerrogativa de organizações de capital aberto terem um sucessor mapeado para cargos de C-Level. Para a prática de reposição de talentos, é consenso que toda companhia precisa, para fins de oxigenação, ter uma rotatividade de profissionais, mantendo altos os padrões de desempenho e de responsabilização – além de trazer uma visão nova para o negócio.

Quando não exercidas corretamente, ambas as práticas podem trazer perdas extremamente significativas para a organização, e a literatura também é vasta nesse sentido. Por exemplo: a ausência da prática do mapeamento sucessório pode trazer ao profissional um sentimento de frustração, impactando diretamente no seu engajamento e, por consequência, no seu desempenho. Profissionais frustrados não são profissionais necessariamente desengajados, pelo contrário: profissionais frustrados são profissionais que já foram engajados um dia, mas que não foram correspondidos pela organização. A ausência da prática da reposição de talentos, por sua vez, pode criar na companhia uma cultura de permissibilidade e passar a impressão de uma liderança distante das questões de desempenho.

A área de Finanças possui particularidades que fazem com que as duas práticas sejam ainda mais importantes. O contato com informações confidenciais, a participação direta na formulação e execução do plano estratégico, o conhecimento técnico profundo (que demanda anos de investimento até se tornar consistente), a experiência prévia relevante com operações financeiras complexas, o forte relacionamento bancário e a confiança e a credibilidade no contato com a matriz (no exterior), ou ainda com os sócios/acionistas, são exemplos de fatores que obrigam o líder de Finanças a ter um olhar mais profundo na manutenção de seus times e na elaboração de planos de contingência par a substituição de profissionais com o menor impacto possível nas rotinas de departamento.

Dessa forma, a entrada ou a saída de um profissional precisa, necessariamente, passar pela avaliação de alguns critérios, seja para a prática do mapeamento sucessório, seja para a prática da reposição de talentos, são eles:

1. Experiência profissional: são avaliadas a complexidade, a vivência e a abrangência da carreira do profissional.

2. Desempenho: são avaliados os resultados entregues pelo profissional e as competências pelas quais esses resultados foram entregues.

3. Potencial: são avaliados a capacidade e o interesse do profissional em assumir posições de maior complexidade futuramente (as definições de potencial podem variar muito de organização para organização, além de ser um dos critérios que mais evoluiu dentro do universo organizacional).

4. Prontidão: é avaliado o prazo que o profissional poderá performar plenamente dentro das expectativas.

5. Fit: é avaliado o alinhamento do professional à estratégia e á cultura organizacional. Em tempo: a reunião de perfis diferentes dentro de uma equipe deve ser encorajada, mas dentro de parâmetros controlados.

Quando falamos da prática do mapeamento sucessório, levamos em consideração todos os critérios mencionados acima, dentro de um plano de carreira contextualizado e que deve ser revisitado constantemente pelo profissional e pela organização. Assim, profissionais podem apresentar bons resultados e altos níveis de potencial, porém, para ocupar níveis mais estratégicos, precisam adquirir mais experiência, seja no mesmo nível ou em uma função diferente. O oposto também é verdadeiro: profissionais podem apresentar bons níveis de experiência, mas não ser considerados para posições de maior complexidade, muitas vezes, por não apresentarem interesse em assumir tais posições.

Já a prática de reposição de talentos, por ter um caráter mais emergencial (majoritariamente impulsionada pela saída voluntária ou involuntária do profissional), também leva em consideração os critérios mencionados acima, tendo, apenas, a avaliação de potencial um peso menor. Ainda que esperada, muitas vezes, a saída de um profissional deixa uma lacuna técnica, comportamental ou estratégica que precisa ser preenchida com agilidade, e que, quando não tratada com a devida importância, pode trazer riscos à operação. Assim, quando comparada à prática do mapeamento sucessório, a prática da reposição de talentos deve ser mais assertiva e o profissional deve apresentar um nível de prontidão maior, necessitando, portanto, performar dentro das expectativas em menos tempo.

Para a gestão, isso impacta diretamente nos processos estruturados de avaliação de desempenho, no alinhamento claro da estratégia da organização à cada posição, no desenvolvimento constante do profissional, no estabelecimento de comissões de talentos, nos feedbacks constantes e, principalmente, no monitoramento dos interesses do profissional, que podem mudar de ciclo para ciclo. As boas práticas da literatura sugerem que há a necessidade de ter uma prerrogativa de sucessor, não apenas para os cargos de C-Level (conforme o boletim 14E emitido pela SEC em 2009), mas para todos os cargos de liderança, começando pelos cargos de coordenação. Além disso, orientam que a reposição de talentos nestes níveis deve ser ágil e assertiva, fazendo com que os impactos da baixa oxigenação sejam minimizados.

Com isso, a fim de compreender em mais profundidade essas duas práticas, convidamos três Executivos para compartilharem suas visões e perspectivas.

Cláudio Ikeda

CFO Latam | Tate & Lyle

Erika Magalhães

Diretora de gente e Gestão | Camil Alimentos

Ivan Furlan

CFO | AB Brasil

Pela sua experiência, quais são os principais impactos operacionais e estratégicos da saída voluntária e não esperada de talentos da área financeira de uma organização? Por outro lado, quais são os impactos oriundos da ausência de oxigenação de talentos na área?

Cláudio Ikeda: Para mim, os principais impactos são: sobrecarga no workload da equipe, perda do histórico da área, comprometimento na entrega de atividades rotineiras e de projetos estratégicos e possível aumento da desmotivação da equipe. Já a falta de oxigenação grande dependência da equipe atual, principalmente em relação ao histórico da área e da empresa, e acomodação da equipe, o que pode gerar impacto na motivação das pessoas, pois, em cenários como esse, mesmo que elas tragam contribuições relevantes para a empresa, não há rotatividade e nem crescimento/ desenvolvimento dentro da área.

Erika Magalhães: Quando a perda de um talento acontece, é fundamental que a organização tenha um sucessor pronto (mapear é diferente de ter a prontidão necessária) para assumir a função, assim como é importante ter o conhecimento e a quantidade de projetos que estão com a área financeira. Quase sempre a transição não leva o tempo ideal, principalmente quando a mudança não estava prevista. Para a empresa, ter que lidar com a saída inesperada do funcionário somada á falta de sucessão imediata é ruim. A necessidade de um plano B para posições chave é fundamental, e a capacidade do líder em realizar essas “leituras” do time de forma antecipada também é crucial. A previsibilidade não é fácil, depende de muito conhecimento do time, de estar atento aos sinais e de ter o efetivo compromisso com a comunicação e com o desenvolvimento da equipe.

Ivan Furlan: Dependendo da especialidade ou da senioridade da posição, a saída não esperada de um profissional pode ter impactos relevantes à área financeira. Do ponto de vista operacional, normalmente essas mudanças podem trazer i) perda de histórico das transações da empresa; ii) demandas adicionais a alguns profissionais do time; iii) interrupção de trabalhos ou projetos em andamento, cuja retomada acarreta perda de tempo e esforço adicional do profissional escolhido para substituir quem saiu e iv) lentidão na retomada de contatos com terceiros (bancos, clientes, fornecedores, etc.) e mesmo com algumas áreas mais corporativas ou da matriz, nos casos das multinacionais. Do ponto de vista estratégico, o impacto será mais sentido no caso de i) o profissional ocupar um papel mais sênior na organização, como de um CFO, Controller, Head de Taxes, Tesoureiro, Head de FP&A, por exemplo, sendo que, por consequência, todos os seus relacionamentos com as demais áreas e terceiros poderiam ser afetados; ii) de ser um high potential e estar no plano sucessório de outra posição. Quanto a ausência de oxigenação, isso pode levar o time ou área à zona de conforto ou, no caso de profissionais que não estão performando, à desmotivação dos demais colaboradores da área.

 

Abrangendo especialmente a área de Finanças, quais são os principais fatores que levam um profissional a sair da organização? E quais são os principais fatores que o levam a permanecer?

Cláudio Ikeda: Atualmente, eu vejo dois fatores pelos quais um profissional procura novos desafios fora da empresa: a falta de visibilidade e clareza dos planos de carreira e de desenvolvimento e a ausência de sintonia com a liderança direta. Entendo que é crucial que haja um ambiente de muita confiança entre chefe e subordinado, pois, caso isso não ocorra, a chance de a empresa perder um talento é bem maior.

Erika Magalhães: Os profissionais de Finanças estão conectados com dados, metas e estratégias da companhia, bem como estão cientes de quais são as perspectivas do negócio, do crescimento da empresa e dos horizontes. Em minha experiência, desafios e recompensa continuam sendo importantes, mas vejo cada vez mais profissionais de Finanças olhando para qualidade de vida e para a importância de trabalhar em um ambiente que seja salutar nas relações entre as áreas e que tenha agilidade e reação nos processos decisórios. Empresas que são eficazes na comunicação com seus colaboradores, que mostram os desafios, compartilham as decisões e mostram investimentos para superar as dificuldades, deixam o profissional mais tranquilo e satisfeito para estar ali. Um ponto de destaque é que os profissionais de Finanças podem transitar em vários segmentos com a mesma qualidade, ou seja, o leque de opções no mercado de trabalho para os profissionais dessa área tende a ser mais aberto do que para áreas mais específicas.

Ivan Furlan: Entendo que possa haver alguns fatores chave para um profissional sair da organização, como: i) falta de perspectiva de crescimento ou de novos desafios; ii) ambiente sem controles e que sempre remetem a remediações de erros do passado; iii) práticas ou condutas não aceitáveis perante regras corporativas e leis; iv) estagnação e falta de investimento em novos modelos e ferramentas de trabalho e v) tomadas de decisão ou mesmo planejamento que não visam ao longo prazo. Quando a liderança age com transparência e ética e a organização está em compliance, investindo em sistemas e ferramentas de trabalho de longo prazo, o profissional enxerga que está crescendo e tendo bons desafios, o que o leva a refletir sobre a decisão de permanência na organização.

 

No que tange à reposição de talentos dentro da área de Finanças, quais são os principais motivos para uma companhia buscar um profissional de fora da organização? Para um líder de Finanças, quais são os pontos positivos e negativos de contratar um professional externo?

Cláudio Ikeda: Para mim, o principal motivo e ponto positivo para contratar um professional fora da organização é a renovação da área com novas ideias, experiências e visões diferentes. Acho saudável provocar situações em que as pessoas saiam da zona de conforto. O ponto negativo é tomar a decisão de contratar uma pessoa externa sem verificar se há alguém dentro da empresa que poderia ocupar a vaga. Na minha opinião, um chefe perde a equipe quando não oferece oportunidades para o time e quando não é claro sobre os motivos pelos quais está abrindo uma posição para seleção externa.

Erika Magalhães: Fazer uso do potencial interno é muito bom para a equipe, para o gestor e para a organização de modo geral. Visualizar uma trilha de carreira sendo executada traz um sentimento positivo para todos. Mas, esse movimento nem sempre é tão fácil. O principal motivo que leva uma companhia a buscar um professional fora da organização é o fato de não ter alguém pronto para determinado desafio. Dois exemplos de quando isso acontece são quando a empresa faz uma aquisição ou passa por um processo de profissionalização que gera uma demanda de colaborador apto a desempenhar uma função específica e que nem sempre pode ser suprimida pelos demais colaboradores. Assim, a busca por profissionais experientes ou com competências técnicas é necessária. Para a empresa e para os funcionários, seria ótimo se fosse sempre possível executar o plano de sucessão e também ter oportunidade de trazer pessoas novas e diversas para compor o time, montando uma equipe adepta a mudanças e com ideias novas, que seriam confrontadas com a experiência dos mais antigos no negócio, mas isso nem sempre é possível. O papel do líder de equipe é fundamental para que ele saiba “fazer bem sua receita” com os “ingredientes que tem em casa” e agregar com o “tempero que traz de fora”.

Ivan Furlan: Quando a companhia não enxerga que os profissionais que estão lá são capazes de promover mudanças e transformações, desafiando o status quo, elas tendem a buscar profissionais de fora, justamente para trazer visões e práticas diferentes ou mesmo para suprir qualificações específicas que ali não existam. Esse seria o principal ponto positivo de buscar alguém de fora. Do lado negativo, entendo que essa ação pode gerar desmotivação interna, revelando que não há um plano de sucessão. Na minha experiência, sempre fiquei muito frustrado ao olhar para o time e não encontrar um substituto quando profissionais saíram ou foram desligados da organização. Para mim, sempre seria um fator motivacional ver as pessoas do time em ascensão, gerando oportunidades para outros. Uma simples promoção ou remanejamento pode levar a outras movimentações dentro da área, gerando oxigenação, aprendizado, desafios e crescimento.

Quais são os maiores desafios de se elaborar e implementar um mapeamento sucessório efetivo e eficaz na área de Finanças e por quê?

Cláudio Ikeda: Elaborar e implementar um mapeamento sucessório tem um certo grau de complexidade, mas, para mim, o desenvolvimento esteja alinhado com os próximos passos estabelecidos entre o funcionário e a liderança da área.

Erika Magalhães: Realizar e executar um plano sucessório é sempre um desafio e um paradoxo. Muitos acreditam que ter as pessoas mapeadas já é suficiente, mas ter o mapeamento não significa ter a prontidão. O aspecto principal de um bom plano de sucessão é ter as etapas de desenvolvimento das pessoas definidas como sucessores sendo plenamente executadas com acompanhamento. Na área de Finanças, isso significa não deixar a rotina atropelar o desenvolvimento.

Considerando que o plano e a prontidão estão ok, o que fazer com a ansiedade dos mapeados pelo próximo passo, se a posição não está disponível? No feedback, devo dizer que ele é um sucessor pronto em determinado tempo ou isso gera maior ansiedade e instabilidade ao profissional, podendo perdê-lo para o mercado se eu não executar conforme sinalizei? Depende. Cada empresa tem seu nível de maturidade, complexidade e demanda. Multinacionais possuem oportunidades, muitas vezes, dentro e fora do país, promovem uma movimentação rápida possuem programas de trainee e planos estruturados. Em estruturas muito enxutas, às vezes o plano de sucessão pode ser mais modesto e tratado com cuidado. Ter feedbacks claros m mentorias pode ajudar evitar perder pessoas boas, por não saberem administrar a “ansiedade” do próximo passo e de carreiras horizontais. E, é claro, políticas claras de cargos e salários são bem-vindas para aquecer, reter e desenvolver o profissional.

Ivan Furlan: Considere que os principais desafios são i) tempo e dedicação dos líderes para mapear profissionais chaves que possam assumir novos papéis; ii) cultura da empresa em fomentar e manter um plano de sucessão – neste caso, a área de Finanças “remará” contra a cultura organizacional; iii) não ter um processo adequado de avaliação de performance, e iv) os profissionais não enxergarem uma cultura que preza pela meritocracia. Eu mesmo já passei por uma situação em que o próprio presidente da empresa não era favorável ao plano sucessório, então nossa área de Finanças teve que fazer um processo independente.