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Se, até pouco tempo atrás, o CFO era tido como um profissional mais técnico e avesso ao risco, responsável por garantir primordialmente que as informações financeiras fossem fidedignas e o fluxo de caixa estivesse controlado, na atualidade, o diretor financeiro de uma companhia tem assumido um papel cada vez mais estratégico. Em meio a um cenário tomado por incertezas, o executivo de Finanças tem atuado como um articulador ativo entre áreas, contribuindo para o desenvolvimento do negócio como um todo, devendo, inclusive, identificar oportunidades para o incremento da receita e o aumento do lucro.

Nesse novo contexto, uma relação que tem se mostrado extremamente proveitosa – quando bem fluída – é a que ocorre entre as áreas de Finanças e Marketing. Tal sinergia pode soar paradoxal para muitos, principalmente aos olhos daqueles que enxergam o investimento em Marketing como uma despesa e não como algo potencial gerador de receita. A alguns profissionais carece o entendimento de que a área de Marketing é um canal essencial para o fortalecimento da relação entre a empresa e seus consumidores – conexão sem a qual negócio algum se sustenta, independente da indústria em que está inserido. Ao se relacionar bem com o time de Marketing, o líder financeiro de uma companhia acaba por se aproximar de seu cliente final, podendo compreender a fundo suas reais necessidades e anseios. Naturalmente, esse movimento lhe trará um olhar mais holístico e transversal sobre o negócio. O seu produto de fato atende à demanda de seu público? O que é preciso para se destacar entre os seus concorrentes? O investimento em projetos de inovação se faz necessário? É possível pensar no lançamento de novos produtos? Quase que de maneira automática, questionamentos como esses surgem sempre que há trocas entre as estas duas áreas.

Se, por um lado, o Marketing traz mais concretude para o dia a dia do time de Finanças por estar estrategicamente mais próximo do cliente, a área financeira pode contribuir com a metrificação das atividades que integram o cotidiano dos profissionais de Marketing. A projeção de margens saudáveis, o cálculo do custo para a aquisição de novos clientes, a otimização do fluxo de caixa, a definição de um market share ideal e a priorização dos investimentos são algumas das inúmeras análises passíveis de serem realizadas em conjunto. Além disso, desenvolver estudos de viabilidade econômico-financeira para novos projetos e produtos também é algo que cabe a esse novo líder de Finanças, de forma que se avalie se a Taxa Interna de Retorno (TIR) e o payback do novo investimento está em linha com o esperado. Em meio a uma conjuntura de crescente digitalização, abraçar eventuais riscos, antecipar tendências e propor mudanças de rota frente às movimentações da concorrência são movimentos primordiais e que podem ser decisivos para o sucesso de uma organização.

Apesar da especialização comum a cada um desses profissionais e das visões de negócio distintas que carregam na essência, Finanças e Marketing têm um objetivo comum em prol do crescimento da companhia – e é exatamente isto que deve nortear a relação entre as duas áreas. Para uma atuação complementar e bem-sucedida, cabe a seus respectivos líderes empatia e respeito pelo conhecimento específico do outro e, sobretudo, alinhamentos periódicos, pautados com comunicações claras e assertivas. Assim, capacidade de criação de alianças, comunicação efetiva, pensamento analítico e senso de priorização são algumas habilidades comportamentais fundamentais para o Executivo financeiro ter sucesso na sua atividade de suporte à tomada de decisão estratégica do time de Marketing.

 

Para compreender mais a fundo o papel da área de Finanças no suporte à área de Marketing, além dos desafios e oportunidades atrelados a essa relação, convidamos três Executivos para compartilharem suas perspectivas e vivências sobre o tema.

Alexandre Da Silva Martinez

CFO | Barry Callebaut

Henrique Cugnasca Filho

CFO | Polishop

Sabrina Torgan

CFO | Kley Hertz Farmacêutica S.A

Que tipo de análises técnicas a área de Finanças pode e deve desenvolver para suportar a área de Marketing na tomada de decisão estratégica?

Alexandre da Silva Martinez: As áreas de Finanças e Marketing possuem um papel fundamental na criação de valor para a empresa. Quanto mais elas se aproximarem, dividirem conhecimento sobre o mercado no qual a empresa atua e, primordialmente, entenderem a necessidade de seus clientes e consumidores finais, mais embasadas e direcionadas serão as tomadas de decisão estratégica, de modo a atender a ambos os objetivos.

A área de Finanças poderá apoiar o negócio, por exemplo, através de análises qualificadas de mercado, quantificando o objetivo esperado de market share e traduzindo-o em projeção de margem, rentabilidade e geração de caixa. Dentre as análises de margem, destaco a importância de um correto balanço entre preço e custo do produto (fixo e variável), o qual deverá endereçar a margem estratégica. Caso não haja um bom entendimento da margem, por exemplo, um projeto poderá ser inviabilizado, seja ele um lançamento (nova introdução no mercado) ou uma inovação de produtos já existentes.

No âmbito da rentabilidade e geração de caixa, as análises de ROIC (rentabilidade sobre o capital investido), incluindo Opex (operational expenditure), Capex (capital expenditure) e necessidade de capital de giro, serão fundamentais para o entendimento de geração de caixa e sustentabilidade do negócio. Obviamente, cada oportunidade deverá ser avaliada criteriosamente e em conjunto entre as áreas, pois dependerá de algumas variáveis, entre elas, a maturidade do produto no mercado.

Henrique Cugnasca Filho: A área de Finanças tem exercido um papel importantíssimo em todos os subsistemas das organizações, provendo clareza aos reais resultados de ações, campanhas, canais de venda, produtos, categorias e estruturas. Na área de Marketing, por exemplo, é muito usual incorrerem em definições equivocadas em função da dinâmica e da natureza do negócio. Um exemplo se refere a campanhas que precisam entrar no ar de forma quase instantânea e cuja nota referente à prestação de serviço, na grande maioria das vezes, é enviada um, dois ou três meses após a contratação. Esse caso, costumeiramente, pode gerar uma distorção nos resultados das campanhas, pois Finanças, por não estar no dia a dia, acaba contabilizando a despesa quando chega a nota, ao passo que a campanha ocorreu dois ou três meses antes.

Em função desse e de outros movimentos semelhantes, cabe à área de Finanças estabelecer uma proximidade adequada junto à área de Marketing, podendo ou não utilizar a figura de um Business Partner, de forma que seja possível alocar corretamente as despesas no período correto, além de apoiar e atuar na elaboração e acompanhamento de indicadores como o ROI, por exemplo. Obviamente, dependendo do modelo e do tipo de cada negócio, existem dinâmicas que se diferenciam entre uma e outra empresa. Porém, com o time de Finanças atuando de forma muito próxima ao Marketing e também das demais áreas da empresa, é possível o estabelecer fluxos adequados com relação à informação, o que traz, por consequência, maior clareza quanto aos resultados de cada movimento da companhia.

Sabrina Torgan: Dentro da área de Finanças, quem mais trabalha em sintonia com o Marketing são as subáreas de Controladoria e Tributário. Costumamos desenvolver análises de margens, focando no impacto dos desvios de custos na margem atual e projetada, além de realizar diagnósticos de desvios de preços por região/canal/produto. Também fazemos análises de viabilidade de novos produtos, além de calcularmos os possíveis impactos relativos a mudanças de legislação tributária e regulatória nos preços e margens dos produtos que já fazem parte do portfólio da empresa. Auxiliamos a área com inputs de custos para as projeções de demanda, sempre sinalizando onde podemos ter possíveis impactos mais relevantes, entre diversas outras análises que elaboramos em conjunto.

O que é necessário para que a relação entre essas duas áreas seja bem-sucedida, a fim de contribuir para o desenvolvimento do negócio da companhia?

Alexandre da Silva Martinez: Uma relação bem-sucedida é aquela na qual a confiança é mútua. As áreas devem possuir o mesmo objetivo e uma deve complementar o conhecimento da outra. Outro ponto relevante tange à construção e ao alinhamento de um plano estratégico, algo fundamental para que os objetivos sejam bem-sucedidos e que permeiem a estratégia para beneficiar a companhia e seus clientes/consumidores.

Henrique Cugnasca Filho: Para que a relação entre a área de Finanças e de Marketing ocorra de forma harmônica, é fundamental que Finanças entenda e conheça a fundo a dinâmica da área de Marketing. Simplesmente estabelecer uma regra e exigir que a área a siga, muitas vezes, não é viável. É importante que os profissionais de Finanças entendam quais são os desafios e prioridades. Há casos, por exemplo, ligados à questão dos timings de recebimento e envio de notas. Alguns players não conseguem enviar uma nota no mesmo mês do serviço prestado. Finanças precisa compreender esse fluxo e parar de crucificar o time de Marketing, tentando, de fato, apoiá-lo com provisões de despesa e criando ferramentas que facilitem o seu dia a dia. O líder de Finanças precisa ter muita clareza que, em muitas organizações, a área financeira ainda é considerada back office e essa percepção tem que mudar: a área está ali para apoiar e ajudar o negócio, não atrapalhar. A partir do momento que ela mais atrapalha do que ajuda, acaba gerando uma resistência entre as partes e toda fluidez com relação à informação e a boa vontade para que o melhor seja feito acaba se deteriorando e os processos acabam não convergindo de forma adequada.

Sabrina Torgan: Finanças deve atuar como Business Partner (BP), ou seja, deve ser um parceiro do Marketing. Temos que estar frequentemente conectados e alinhando expectativas. Tenho reuniões periódicas com a Head de Marketing da empresa, assim como meu time está em contato constantemente com a área. Devemos estar sempre dispostos a ajudar o time a ter uma visão completa dos impactos das decisões no resultado da empresa, além de treinar as equipes em relação aos principais conceitos financeiros.

Aqui acho que vale um esclarecimento. Pelo contexto, acho que ele quis dizer que a área de Marketing não deve ser entendido como um fardo pelo CFO, porém da forma como colocou de fato, ele dá a entender que a área de Marketing pode atrapalhar — e isso geraria esse mal estar, essa possível resistência.

Você já vivenciou alguma situação desafiadora na relação entre as duas áreas? O que fez para superar essa situação e qual lição tirou dela?

Alexandre da Silva Martinez: Sim! Neste contexto, o exercício de planejamento financeiro é sempre um desafio. A área de Finanças possui a tarefa de balancear os interesses dos diversos stakeholders. Ao mesmo tempo, o apoio aos investimentos estratégicos, mesmo que não tragam rentabilidade no curto prazo, sempre deverão ser avaliados, pois poderão garantir o crescimento sustentável do negócio a longo prazo. Vivenciei inúmeras situações nas quais tivemos a necessidade de revisitar todo o planejamento financeiro, juntamente com a equipe de marketing, para adequarmos a disponibilidade de recursos devido à priorização de outros investimentos também necessários para o negócio naquele momento. Sempre haverá uma oportunidade de estreitarmos a relação entre Marketing e Finanças no que tange a dar agilidade a eventuais processos de mudanças de rota. Caso alguma atividade deva ser revisitada no curto prazo, é importante que os times não percam seus objetivos de médio/longo prazo. Este estreitamento na relação e transparência na comunicação sempre foram e serão fundamentais para o crescimento das pessoas e das partes relacionadas.

Henrique Cugnasca Filho: Como CFO, durante um tempo, tive que estar pessoalmente com o time de Marketing e junto com o Business Partner que atuava na minha equipe para, de fato, entender, construir e pacificar a relação, além de incentivar a construção de caminhos mais adequados. Muitas vezes, por exemplo, é de extrema importância a construção de uma ferramenta pré-formatada e que torne o reporte de informações algo muito simples para o time de Marketing. Podemos deixar isso o mais didático possível para facilitar o trabalho deles. Vale destacar que a natureza da área de Marketing não é quantitativa, mas de criação, de arte. O executivo de Finanças precisa ter clareza com relação a isso. Então, é preciso criar fluxos que auxiliem o recebimento de informações da forma e no timing necessários. Eu diria que, para essa relação fluir bem, é preciso que Finanças se esforce 80% a 90% daquilo que é necessário. É duro, mas atuamos em uma área que precisar receber informação, que ainda, em muitos casos, é vista como back office e não front office. Assim, o time financeiro precisa compreender de fato quais são as dores e os problemas do time de Marketing, deve quebrar as barreiras e estabelecer um relacionamento saudável. Só assim as coisas começam a convergir de forma adequada.

Sabrina Torgan: Os problemas de comunicação e mesmo de execução ocorrem justamente quando os processos não estão alinhados ou não foram construídos em conjunto. Em outra empresa que trabalhei, vivenciei uma situação como essa em relação ao pagamento de verbas de publicidade. A área de Marketing havia previsto a despesa no orçamento por regime de caixa (pelo pagamento efetivo), mas a Contabilidade da companhia contabilizou-a pelo regime de competência. Isso fez estourar o orçamento de despesas do ano da área de Marketing, o que causou uma série de reuniões e discussões acerca do assunto. A empresa acabou precisando ajustar seus procedimentos. Nesse sentido, vale destacar que processos bem descritos e uma comunicação clara e assertiva são peças-chaves para o relacionamento entre as duas áreas.

Quais são as principais habilidades comportamentais que o Executivo financeiro deve desenvolver para ter sucesso no suporte à área de Marketing?

Alexandre da Silva Martinez: Eu procuro me colocar no papel do outro colega para que eu possa entender a sua realidade. Considero fundamental no meu dia a dia a habilidade de saber ouvir e dar a oportunidade para que todos exponham suas opiniões. Seguramente, dessa forma, o Executivo de Finanças poderá captar mais informações, que por sua vez o ajudarão no processo de tomada de decisões e no apoio ao negócio.

Henrique Cugnasca Filho: Quando falamos de soft skills, acredito que o Executivo financeiro que deseja ter uma boa interação e obter bons resultados junto com a área de Marketing precisa conseguir desenvolver um bom trabalho em equipe e ter um bom poder de persuasão com o objetivo de sensibilizar a área de Marketing com relação àquilo que é fundamental para o bom andamento de sua atividade e da companhia como um todo. Resumidamente, destacaria, então, esses dois pontos:  trabalho em equipe e persuasão.

Sabrina Torgan: O Executivo financeiro precisa entender do negócio. É essencial que ele conheça os produtos e os clientes da empresa, e tenha ciência da sua estratégia comercial. É importante ainda que ele compreenda o posicionamento da organização no mercado em que atua e saiba da força de suas marcas e produtos. Nós, enquanto executivos de Finanças, precisamos deixar a nossa bolha e nutrir o hábito de andar mais pela empresa e nos relacionarmos diretamente com outras áreas. Infelizmente, este é um ponto em que muitos de nós falhamos. É preciso que saibamos traduzir as visões de Marketing em projeções de resultado que, por fim, auxiliem as equipes na tomada de decisões estratégicas sobre o negócio. Em resumo, precisamos ser bons comunicadores, bons tradutores e devemos ainda olhar o negócio com uma visão mais estratégica.