Por Fernando Fonseca, CEO e Fundador da Multi Capital Solutions e especialista em sustentabilidade e ESG
O cenário empresarial brasileiro passou por uma transformação significativa recentemente, com a publicação de duas novas resoluções pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM): a Resolução 193,[1] de outubro de 2023, alterada pela Resolução 219,[2] de outubro de 2024, e a Resolução 223,[3] de dezembro de 2024. A sustentabilidade, antes vista como um diferencial, agora se torna um requisito fundamental para as companhias abertas. É chegada a hora da verdade, em que o discurso sustentável precisa se converter em práticas efetivas e transparentes. Como especialista em sustentabilidade e ESG com foco em normas e relatórios, convido você, profissional de Finanças, a se aprofundar nas novas regras e a entender seu papel crucial nesse novo panorama.
Desvendando as novas resoluções da CVM
Resolução 193: A era dos relatórios de sustentabilidade padronizados
A Resolução 193 marca um passo decisivo na consolidação da agenda ESG no Brasil. A partir dos exercícios sociais iniciados em, ou após, 1º de janeiro de 2026, as companhias abertas serão obrigadas a reportar informações de sustentabilidade de acordo com as normas do International Sustainability Standards Board (ISSB).[4] O relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, identificado e apresentado de forma segregada das demais informações da entidade e das demonstrações financeiras, deve ser objeto de asseguração por auditor independente registrado na CVM, em conformidade com as normas emitidas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC). Isso significa que, a partir de agora, a sustentabilidade será reportada com o mesmo rigor e transparência que as informações financeiras.
Essas normas já foram traduzidas e aprovadas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), com base nos Pronunciamentos Técnicos emitidos pelo Comitê Brasileiro de Pronunciamento de Sustentabilidade (CBPS)[5]: Norma Brasileira de Contabilidade (NBC TDS 01) – Requisitos Gerais para Divulgação de Informações Financeiras Relacionadas à Sustentabilidade e Norma Brasileira de Contabilidade (NBC TDS 02) – Divulgações Relacionadas ao Clima, ambas de 17 de outubro de 2024.[6]
As normas do ISSB, em especial a IFRS S1 (NBC TDS 01), que define os requisitos gerais para a divulgação de informações de sustentabilidade, e a IFRS S2 (NBC TDS 02), que trata das divulgações relacionadas ao clima, estabelecem um padrão global para a comunicação de dados ESG. A adoção dessas normas permitirá a comparabilidade entre empresas, facilitando a análise por parte de investidores e demais stakeholders.
A implementação da Resolução 193 traz desafios, como a necessidade de coletar dados e mensurar indicadores de forma consistente nos pilares de Governança, Estratégia, Gerenciamento de Riscos e Metas e Métricas. Por outro lado, abre um leque de oportunidades para as empresas que desejam se destacar pela transparência e pelo compromisso com a sustentabilidade.
Resolução 223: contabilizando os ativos ambientais
A Resolução 223, por sua vez, determina a obrigatoriedade da aplicação da Orientação Técnica OCPC 10,[7] que trata da contabilização de créditos de carbono (tCO2e), permissões de emissão (allowances) e créditos de descarbonização (CBIOs). Essa resolução impacta diretamente a forma como as empresas reconhecem, mensuram e divulgam esses ativos ambientais em suas demonstrações contábeis.
A OCPC 10 traz diretrizes claras sobre como classificar, avaliar e registrar as transações com esses instrumentos, demandando dos profissionais de contabilidade um conhecimento aprofundado sobre o tema. A correta aplicação da OCPC 10 é fundamental para garantir a confiabilidade das informações contábeis e evitar distorções no balanço patrimonial das empresas.
Riscos e oportunidades para profissionais de Finanças
Diante desse contexto, é fundamental que os profissionais de Finanças, especialmente os responsáveis pela Contabilidade, exercitem o pensamento integrado[8] para promover uma abordagem holística em suas análises e tomadas de decisão. Esse exercício implica considerar as interdependências entre fatores — como riscos e oportunidades relacionados ao ambiente externo, estrutura de governança, resiliência do modelo de negócios e utilização dos capitais financeiros e não financeiros e seus impactos — que afetam significativamente a capacidade das organizações de gerar valor ao longo do tempo.
Fique atento aos riscos:
- Desconhecimento: A falta de familiaridade com as novas resoluções e as normas do ISSB pode levar a erros na elaboração dos relatórios e na contabilização dos ativos ambientais.
- Falta de preparo: É preciso se capacitar para atender às novas demandas de informações e garantir a qualidade dos dados reportados.
- Dificuldade de interpretação: A complexidade da OCPC 10 exige atenção e expertise na sua aplicação.
- Perda de competitividade: Profissionais que não se atualizarem correm o risco de ficarem para trás no mercado de trabalho.
Aproveite as oportunidades:
- Especialização: Diante deste novo contexto, o profissional de Finanças encontra a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos em sustentabilidade e nos relatórios ESG, uma área com alta demanda, alinhando-os à sua expertise financeira e contábil.
- Consultoria: Ao se especializar na agenda ESG, com foco na conformidade financeira, o profissional de Finanças pode encontrar um novo campo de atuação: tornar-se consultor para empresas na implementação das novas resoluções.
- Novas habilidades: Este é o momento para o desenvolvimento de novas competências, sobretudo técnicas, como a proficiência em contabilidade de carbono e gestão de emissões.
- Criação de valor: Com o domínio técnico aprofundado, o profissional financeiro tem a oportunidade de liderar a agenda de sustentabilidade na sua empresa e contribuir para a criação de valor no longo prazo.
Como se preparar para as novas resoluções da CVM?
A jornada rumo à sustentabilidade exige atualização constante. Para se preparar para as novas resoluções da CVM, recomendo que você:
- Aprofunde seus conhecimentos: Estude as normas do ISSB (IFRS S1 e IFRS S2), a Resolução 193, a Resolução 223 e a OCPC 10.
- Participe de treinamentos: Busque cursos e workshops sobre as novas resoluções e a contabilidade de carbono.
- Mantenha-se atualizado: Acompanhe as publicações da CVM, do ISSB e do CBPS.
- Desenvolva novas habilidades: Aprimore suas habilidades em coleta e análise de dados ESG e em gestão de emissões de gases de efeito estufa (GEE).
- Busque certificações: Obtenha certificações em sustentabilidade para se destacar no mercado.
Conclusão
As novas resoluções da CVM, bem como os movimentos da agenda ESG de outros órgãos reguladores, como o Banco Central (BACEN),[9] a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP)[10] e o Tribunal de Contas da União (TCU),[11] representam um marco na história do mercado de capitais brasileiro, e os profissionais de Finanças, sobretudo os de Contabilidade, têm um papel fundamental na construção de um futuro mais sustentável para o país. Ao se capacitarem e se engajarem na agenda ESG, estarão contribuindo para a criação de valor para as empresas e para a sociedade como um todo. Abracem essa oportunidade e sejam protagonistas dessa transformação!
[1] https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol193.html
[2] https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol219.html
[3] https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol223.html
[4] https://www.ifrs.org/groups/international-sustainability-standards-board/
[5] https://www.facpcs.org.br/CBPS
[6] https://cfc.org.br/noticias/normas-brasileiras-de-contabilidade-sobre-sustentabilidade-sao-publicadas-no-dou/
[7] https://www.cpc.org.br/CPC/Documentos-Emitidos/Orientacoes/Orientacao?Id=161
[8] https://integratedreporting.ifrs.org/integrated-thinking/
[9] https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/sustentabilidade
[10] https://www.gov.br/susep/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2022/novembro/susep-publica-marco-regulatorio-de-sustentabilidade
[11] https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/levantamento-do-tcu-avalia-praticas-socioambientais-das-organizacoes-publicas