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A pandemia de Covid-19 e as medidas adotadas para o enfrentamento da crise já provocam impactos profundos na sociedade e na economia do Brasil e do mundo. Diante do cenário imprevisível e da preocupação crescente com as repercussões em seus negócios, as empresas são forçadas a adaptar a rotina de trabalho e repensar suas estratégias para garantir a sustentabilidade financeira.

As mudanças impostas pela crise têm exigido respostas rápidas dos líderes corporativos e, consequentemente, transformado a forma como os profissionais avaliam seus mercados e revisam suas atuações. Em meio a todas as incertezas, o gerenciamento de crise, a gestão inteligente de recursos, o planejamento de longo prazo, o acompanhamento e o reforço dos times para o trabalho remoto passaram a integrar a lista de prioridades de ações estratégicas dos executivos que estão no topo da pirâmide.

É possível notar que a crise antecipou mudanças de mentalidade no ambiente corporativo que já estavam em curso, porém ainda em fases imaturas, como o incentivo e a manutenção da produtividade do trabalho remoto e uma maior experiência online em diferentes segmentos empresariais. Essa nova realidade de trabalho, juntamente com um planejamento conservador, inteligente e de longo prazo, representam alguns dos novos desafios enfrentados pelos executivos.

As companhias que já vivenciaram períodos de crise – como a de 2008 – têm cicatrizes que as aconselham sobre como atuar diante de adversidades. Todavia, o caráter abrupto da pandemia e o consequente caos socioeconômico surpreenderam até mesmo as empresas com essa experiência em seu portfólio. A Assetz Expert Recruitment, por meio da expertise no recrutamento e seleção de líderes da área de Finanças e o contato constante com executivos do mercado, tem acompanhado o novo cenário e procurou analisar os efeitos do atual panorama para o segmento, visando contribuir para que os profissionais tenham a informação como mais uma ferramenta para o seu trabalho neste momento.

Os Impactos para os líderes de Finanças

Neste cenário de crise, os líderes de Finanças assumem um papel ainda mais importante e central ao lado de seus pares para promover a estabilização dos negócios, além de planejar as ações futuras e desenvolver as ferramentas necessárias para garantir a retomada quando as condições da economia melhorarem. A área financeira contribui diretamente para a manutenção da saúde econômica e da resiliência organizacional d companhia e, mais do que nunca, os executivos precisam se estabelecer como uma liderança forte e saber abordar preocupações imediatas sobre segurança, sobrevivência e sustentabilidade.

Foco e mudanças na agenda

Envolvidas nessa função vital, as equipes de Finanças estão com seus esforços totalmente voltados para a construção de novos modelos, revisão de orçamentos, elaboração de planos de contingência e também para a inevitável implementação de redução de custos em suas empresas. Adiciona-se às preocupações dos líderes financeiros, os impactos sobre a capacidade de caixa para suportar a crise, além da tarefa essencial de orientar e agir em parceria com as demais áreas de negócio a fim de que a empresa esteja preparada para atender a demanda quando houver sinais de recuperação.

Cenário incerto

Enquanto há executivos otimistas sobre o achatamento da curva de casos do novo coronavírus, quase todos concordam que a duração da crise ainda é incerta e que os impactos nos negócios são reais, independente do segmento em que atuam. Por isso, o líder de Finanças tem direcionados os esforções para os elementos essenciais para uma gestão eficaz e, principalmente, explorado oportunidades para recuperar e melhorar o modelo financeiro e operacional. As empresas têm utilizado seus talentos e a tecnologia disponível para criar resiliência a longo prazo e executar alternativas estratégicas baseadas na força do mercado. Posto isso, a maioria diz não conseguir estimar o prazo para a recuperação total das perdas iminentes, mas concordam que um plano estratégico bem-sucedido é imprescindível para estabilizar os negócios e a chave de sucesso para sustentar uma onda de recuperação.

Gerenciamento dos times

Em respeito às recomendações das autoridades sanitárias e também ao bem-estar de seus funcionários, a maioria das empresas adotou, quando aplicável, o modelo de trabalho remoto para as suas equipes ou ainda a flexibilização das jornadas. Com isso, a gestão à distância dos funcionários e a manutenção da produtividade dos times também integram a lista de novos desafios dos líderes de Finanças neste período, bem como a responsabilidade de compartilhar informações sensíveis durante a crise. Para iss, além de estimular a autonomia e proatividade, os executivos também precisam desenvolver relações de confiança e de transparência com seus liderados.

Com isso, a fim de entender como os Executivos de Finanças estão lidando com este tema, convidamos quatro CFOs para compartilharem suas visões e perspectivas.

Felippe Leite

CFO | Sephora Espanha

Magali Leite

CFO | BP – A Beneficência Portuguesa de SP

Rafael Rodrigues

Diretor Financeiro | Cobasi

Sergio Stelmach

CFO | Sorridents Franchising

De que forma o CFO pode ajudar o CEO a moldar a estratégia de resposta à crise?

Felippe Leite: Com a interrupção do negócio do varejo, a prioridade junto ao CEO foi assegurar um plano de ação de curto e médio prazo de financiamento, para saber até onde seria possível chegar em relação à manutenção estratégica vigente pré-crise. Além disso, o esforço em garantir que os investimentos fundamentais para o funcionamento no pós-crise sejam efetivos e de alto impacto para o negócio.

Magali Leite: Acho que a maior contribuição que um CFO pode oferecer a um CEO em um período de crise é reforçar todos os conceitos que já são bem estruturados dentro da instituição com relação aos valores e ao propósito além de passar a segurança de que nossa governança dará conta de tudo que precisará ser feito em ritmo de emergência. Se você não tem uma Governança Corporativa muito bem estabelecida, muito sólida, poderá expor a instituição a maiores riscos. Além de trabalhar o comitê de crise com um planejamento minimamente assertivo, deixar o CEO em uma linha de frente no que diz respeito ao cuidar das pessoas, passar segurança e manter todo mundo muito bem-informado. Quando falamos na área de saúde isso é mais crítico, porque temos profissionais na linha de frente lidando com quem está doente. O CEO precisa estar bastante disponível porque ele é exposto a um ambiente de interação com políticos e entidades regulatórias. Essa estrutura de profissionais que tenham condição de dar conta do tático, no sentido emergencial, é fundamental.

Rafael Siqueira Rodrigues: Apoiar na construção de cenários de stress, dada a grande incerteza do patamar de receitas e por quanto tempo essa situação vai permanecer. A gestão do caixa é fundamental, o CFO fica responsável por desenhar estratégias de avaliação sobre necessidade de captação de recursos e definir caminhos para negociações com as demais áreas, com o objetivo de proteger o caixa e os empregos dos colaboradores da empresa.

Sergio Stelmach: O CFO tem um papel preponderante para trazer informações confiáveis e sugestões de ações que devem ser tomadas para minimizar o impacto da crise para a franqueadora e os franqueados, traduzir medidas governamentais aplicáveis ao negócio e tentar suavizar o caminho que a empresa seguirá até o final da crise, afinal, ninguém consegue determinar com precisão quando vai ser.

Se pudesse acolher outro líder de Finanças sobre como se posicionar perante sua equipe nesse momento de crise, quais seriam suas principais recomendações?

Felippe Leite: Existem algumas que considero fundamentais, como a empatia com a pessoa do outro lado do computador, pois a realidade dela foi abalada de maneira radical, com pouco ou nenhum tempo de adequação, o que sugere um elevado nível de insegurança e precisamos manter todos motivados em um momento como esse. Outro ponto importante é redirecionar as prioridades, (no caso da Sephora) sendo uma empresa majoritariamente de varejo, temos um novo ambiente de trabalho, com lojas fechadas, mas com um e-commerce funcionando e que precisa de atenção redobrada, indo mais além de puro planejamento, pois o momento é de execução.

Rafael Siqueira Rodrigues: Foco no caixa, na manutenção dos empregos e criatividade para encontrar novas formas de geração de receita para sobreviver a esse período incerto.

Sergio Stelmach: Minhas três principais recomendações seriam: manter uma comunicação fluida e transparente; entender e explicitar que atravessamos um momento diferente, com outras prioridades de entrega; e que devemos nos adaptar a isso e sobretudo ser otimista, buscando sempre as oportunidades de crescimento e aprendizagem neste momento difícil.

Magali Leite: Além do trabalho ligado ao fortalecimento da estrutura de capital, é preciso estar antenado ao mercado. Monitorar constantemente o fluxo e os indicadores de caixa, além da importância da comunicação constante com outros CFOs e com o mercado. Temos tido bastante acesso às lives, há muitos bancos e entidades de mercado financeiro passando dicas e ajudando a entender como está sendo estabelecido esse novo normal, essa nova dinâmica. Hoje em dia, temos acesso aos dados e às informações de mercado que, por essa impossibilidade de ter interações pessoais, são divulgadas de maneira muito mais ampla e irrestrita do que era antes. Então, isso também é uma das oportunidades na crise.

Qual o papel do CFO na preservação do nível de confiança entre os diversos stakeholders nas empresas impactadas pela crise?

Felippe Leite: Em um ambiente de incertezas como o que temos durante essa crise, o que permitiu termos uma equipe coesa foi sem dúvida o reforço de nossa comunicação entre todos os membros diretivos. Primeiro, para manter as equipes focadas, motivadas e com clara visão da nova estratégia ao longo desse período. Um outro ponto importante foi procurar sempre comparações com outros países que estiveram ou estão na mesma situação. Um exemplo foi encontrar grande inspiração com o caso chinês, que sofreu a crise com algumas semanas de antecipação.

Sergio Stelmach: A Sorridents tem uma rede muito grande de franqueados, que são os nossos principais stakeholders. Estabelecemos uma comunicação direta por meio do Telegram, webinars diários por meio do Zoom e divulgamos também diariamente boletins com as notícias mais relevantes e impactantes ao negócio. Não só o CFO, mas todos os diretores assumiram esse papel, cada um liderando os temas de sua expertise. Obviamente que, como o fluxo de caixa é um dos principais temas impactados pela crise, várias medidas foram tomadas para minimizar os impactos, como revisão de custos, flexibilização na forma de recebimentos, negociação com fornecedores etc.

Qual a importância do alinhamento entre a equipe de Finanças e TI no que tange à segurança das redes e informações envolvidas no trabalho à distância?

Sergio Stelmach: Tivemos que nos adaptar muito rapidamente. No nosso caso, o home office não era uma prática habitual e em poucos dias tivemos que adaptar a equipe, gestores e colaboradores a esta nova metodologia de trabalho. Alguns investimentos tiveram que ser feitos para disponibilizar equipamentos e softwares para todos. A mudança de mindset também teve que ser trabalhada e continua sendo. A segurança não foi negligenciada e softwares de segurança tiveram que ser instalados e atualizados.

Felippe Leite: O home office já era uma realidade adotada por algumas empresas, seja pela natureza do trabalho ou pela conveniência de deslocamentos, mas o que acontece nesse exato momento é uma extensão. Foram reforçadas as estruturas de tecnologia, como por exemplo aumento nos servidores para suportar os trabalhos em VPN e também uma atualização para todos os colaboradores sobre políticas de segurança e tentativas de fraude, com finalidade financeira ou usurpação de informações. Reforçamos o nosso processo antifraude elaborado dentro de nossa célula de Controles Internos, para informar e reforçar as medidas de segurança que todos devem seguir em um momento de incertezas e extremamente propício a fraudes.

Rafael Siqueira Rodrigues: Não tínhamos uma infraestrutura pronta para o trabalho remoto, por isso nossa equipe de TI foi mobilizada rapidamente para encontrar soluções viáveis e seguras. Fizemos isso com muito sucesso, 90% dos colaboradores administrativos estão trabalhando de suas casas e com relatos de ganho de produtividade.

De que forma você tem acompanhado a eficiência da sua equipe em trabalho remoto e quais são os principais desafios de liderança nesse momento de adaptação à essa nova realidade?

Felippe Leite: Existem dois fatores principais que impactam a produtividade nesse momento, o primeiro é de caráter emocional, pois devido aos elevados casos que tivemos na Espanha, invariavelmente tenho visto pessoas que tiveram familiares hospitalizados ou que em menor grau sofreram com o Covid-19 pessoalmente. Naturalmente você perde produtividade e tem que focar nas ações que geram mais resultado. O segundo fator é o controle de tempo, pois todos estão confinados dentro de casa com sua família e isso muda a dinâmica do home office. Por outro lado, para alguns existe o excesso de trabalho, onde você se encontra dentro desta situação adversa e tem que responder rápido com novos planejamentos em curto espaço de tempo. Minha experiência pessoal tem mostrado que falar com as pessoas todos os dias é muito importante e assegura que não estamos sozinhos.

Magali Leite: Há bastante orientação para equipe com relação à organização do trabalho em um esquema remoto, até porque é a primeira vez que a gente experimenta esse modelo. Institucionalmente houve bastante comunicação de como fazer isso da melhor maneira possível, de como a gente pode conciliar o trabalho dentro da rotina doméstica, separar os momentos para você ter as interações virtuais com outros times. Do ponto de vista de gestão do líder direto, primeiro deve existir uma confiança muito grande no time que está com você. Se você tiver segurança no processo de liderança e na maturidade do seu time, não haverá grandes problemas na rotina, porque tecnologicamente você tem todas as ferramentas.

Sergio Stelmach: Nestes tempos de home office em que todos estão impactados pelas notícias, a liderança deve primeiramente manter a tranquilidade e o equilíbrio da equipe, avaliar a eficiência pelas entregas e apoiar a todos em suas dificuldades, momentos de insegurança e stress.

Quais lições você acredita que a área de Finanças poderá tirar desse momento tão atípico em que as organizações estão vivendo?

Magali Leite: Muitas lições podem ser tiradas desse momento. A primeira, é que nada está mais escrito em pedra, a gente viu que de repente uma gripe que nasceu lá na China tirou todo mundo da zona de conforto. Isso mostra que a capacidade de se adaptar a novas realidades muito rapidamente e a intimidade com ferramentas, com uma dinâmica no ambiente tecnológico, é importantíssima. Essa possibilidade de interagir com tanta gente remotamente e desmistificar que isso perde qualidade e não é tão relevante quanto às interações pessoais, aprendemos que isso era um mito. As coisas funcionam muito bem hoje sem a necessidade de estarmos fisicamente nos lugares. A capacidade de aprender e reaprender como funcionam as estruturas em um ambiente de crise, vai ser cada dia mais importante, mais valorizada no profissional de Finanças. A criatividade e jogo de cintura para lidarmos com cenários adversos e imprevisíveis vai ser cada vez mais importante no perfil de um executivo da área. Estamos vivendo uma oportunidade única, e quem tem essa capacidade e habilidade de se reinventar, de lidar com uma gestão de crise de uma maneira muito madura e emocionalmente estável, vai se sobressair nesse contexto.

Rafael Siqueira Rodrigues: Poder de coordenação, apoio às áreas de negócio para ajudar na viabilização de novas fontes de receita, aprimoramento dos processos de projeção de resultado e de caixa. Todos estão sendo testados ao limite e sairemos dessa crise com competências novas, mais fortes para o momento de crescimento que teremos quando tudo começar a voltar ao normal.

Sergio Stelmach: Primeiramente, ninguém imaginava o que estaria por vir, portanto, devemos sempre ter vários cenários desenhados previamente para que a adaptação para um novo cenário (melhor ou pior) seja mais rápida e eficiente. Algumas medidas que às vezes são duras de serem tomadas devem ser postas em prática em prol de um bem maior, que é a saúde financeira da empresa e a sua sobrevivência em um cenário ruim. Outra lição é de que sempre o trabalho em equipe é mais poderoso e eficiente, portanto, devemos sempre manter as equipes unidas, trabalhando muito bem em forma de time, sempre com objetivos bem definidos e claros para todos.