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Muitos profissionais que hoje atuam em Auditoria Externa (Big 4 e outras) demonstram o interesse, em determinado momento da carreira, em “mudar de lado da mesa” e migrar para estruturas internas de Finanças e Controladoria de empresas dos mais variados portes e setores. O que desperta esse desejo na maioria dos casos é a intenção de atuar em áreas de maior interação com o negócio, de ter um escopo menos “comercial” (tratando-se de Gerentes e Diretores, cargos que têm como objetivo trazer novos clientes), de desenvolver mais habilidades de liderança ou mesmo de desfrutar de vantagens que as companhias da chamada “economia real” oferecem, como, por exemplo, uma remuneração mais agressiva, jornadas de trabalho mais equilibradas e carreiras mais direcionadas à estratégia. Tendo em vista a dificuldade imposta pelo mercado durante essa fase de transição, é importante trazer à tona os reais desafios e os possíveis caminhos para que esses profissionais efetuem essa transição da forma mais consciente, madura e fluída possível.

Sempre que há a possibilidade de se trazer um profissional diretamente de Auditoria Externa (especialmente das Big 4) para companhias de indústria, varejo ou serviços, alguns pontos sobre o perfil são mais debatidos.

Primeiramente, há uma tendência do mercado em investigar um pouco mais os skills de liderança destes candidatos durante o processo seletivo, já que, apesar dos programas de aconselhamento interno, os gestores de Auditoria Externa lideram equipes por projetos e, considerando a sua rotatividade, este tipo de gestão nem sempre possibilita uma exposição a desafios mais complexos em termos de liderança. Ou seja, sempre se buscará a certificação de que o profissional possui perfil para ser desenvolvido como líder internamente.

Primeiramente, há uma tendência do mercado em investigar um pouco mais os skills de liderança destes candidatos durante o processo seletivo, já que, apesar dos programas de aconselhamento interno, os gestores de Auditoria Externa lideram equipes por projetos e, considerando a sua rotatividade, este tipo de gestão nem sempre possibilita uma exposição a desafios mais complexos em termos de liderança. Ou seja, sempre se buscará a certificação de que o profissional possui perfil para ser desenvolvido como líder internamente.

Um outro ponto relevante está relacionado ao escopo de trabalho do Auditor. Pelo fato de ser muito técnico e direcionado a aspectos contábeis (CPCs, IFRS), de riscos e tributários, o dia a dia da área acaba se afastando um pouco do suporte financeiro às áreas de negócio propriamente ditas (Vendas, Marketing e Supply Chain, por exemplo), o que pode restringir o desenvolvimento de uma visão mais holística e mais voltada à estratégia da companhia. Outro tema que não se deve deixar de lado é o de proficiência em idiomas: apesar de a maioria dos materiais, relatórios e e-mails ser em inglês, dependendo do cliente que atende, a comunicação escrita costuma ser maior do que a verbal, o que pode acarretar dificuldades em participar de reuniões ou apresentações. O tema deve ser tratado com muito cuidado e jamais pode ser negligenciado.

Durante o processo seletivo, algumas empresas podem querer avaliar mais a fundo qual é a real capacidade do Auditor em “colocar a mão na massa” e executar efetivamente as rotinas que a posição exige (especialmente as com escopo contábil), já que, por trabalhar mais com a revisão do que já foi feito e com a análise dos riscos, há uma tendência de se pensar que este profissional pode ter dificuldade em ser o responsável direto pela execução das atividades.

Durante o processo seletivo, algumas empresas podem querer avaliar mais a fundo qual é a real capacidade do Auditor em “colocar a mão na massa” e executar efetivamente as rotinas que a posição exige (especialmente as com escopo contábil), já que, por trabalhar mais com a revisão do que já foi feito e com a análise dos riscos, há uma tendência de se pensar que este profissional pode ter dificuldade em ser o responsável direto pela execução das atividades.

Sendo assim, durante a entrevista, o Auditor que está em processo de transição para uma empresa deve trazer exemplos concretos e estruturados sobre as situações de liderança pelas quais passou (gestão de conflito com clientes e entre membros da equipe, motivação de liderados desestimulados, gestão indireta de outras áreas e de outras equipes em projetos) que corroborem suas características de gestor de times. Ademais, é importante se preparar muito bem para a entrevista e ter na ponta da língua os exemplos de clientes que atendeu (não precisa necessariamente abrir o nome), ressaltando quais eram os segmentos de mercado, o porte das companhias, o nível de governança corporativa e de Controles Internos que possuía, a estrutura de capital (aberto ou fechado) e o tipo de trabalho (full audit, diligência, parecer técnico, Controles Internos, SOx). É importante enfatizar projetos que tenha participado cujo escopo também envolvia discussões sobre o negócio e sobre a estratégia do cliente.

O caminho mais fácil para o profissional de Auditoria Externa mudar para “o outro lado da mesa” é por meio de sua rede de contatos, principalmente através de clientes que atendeu e que já conhecem o seu trabalho. Outro caminho possível é por meio de convite de profissionais com os quais já tenha trabalhado no passado, como ex-Gestores, pares e subordinados que já realizaram a migração da Auditoria Externa para empresas e que podem indicá-lo para alguma posição. Logo, apostar em sua boa reputação desde o início da carreira é um importante passo para a transição acontecer. Para que essa transição de Auditoria Externa para empresas seja mais natural e o profissional consiga trazer resultados efetivos em menor tempo, vale a pena considerar o foco em áreas com escopo mais próximo ao desenvolvido durante sua carreira, tais como a Contabilidade, a Controladoria e a Auditoria Interna. Essas áreas podem ser vistas como uma porta de entrada mais fácil para Auditores – já que há certas similaridades nas atribuições do dia a dia. A ideia é a de que, após um ciclo em uma dessas funções, haja uma perspectiva de migração interna para outras áreas da companhia, podendo ter um escopo cada vez mais próximo ao negócio. A transição é mais impactante e mais árdua se for feita diretamente para áreas mais distantes, como Tesouraria, M&A, Planejamento Financeiro, Planejamento Estratégico e Novos Negócios. Na maioria dos casos, profissionais oriundos de Auditoria Externa costumam sofrer resistência ao concorrer para posições nestas áreas em um primeiro momento.

Se não houver espaço ou interesse em se tornar sócio de Auditoria Externa, a pergunta que deve ser respondida por cada um é qual seria o melhor momento para essa mudança de carreira. O processo de transição pode ser mais desafiador para alguns profissionais do que para outros e não há dúvidas de que ele será muito árduo e intenso, mas recompensador. O importante é não desistir, pois um profissional de Finanças que possui uma passagem consistente por Auditoria Externa e conseguiu transitar e se estabelecer em empresas da “economia real” (onde tenha completado ciclos e deixado legados) é extremamente valorizado pelo mercado.

Com isso, a fim de entender esse tema em mais profundidade, convidamos três Executivos de Finanças que tiveram passagem por auditoria e fizeram essa transição para compartilharem suas visões e perspectivas.

Gonzalo Morales

CFO | Tenco Shopping Centers

Fernando Hartvig de Freitas

Vice-Presidente de Finanças | Danaher Corporation

Leia Capuano

CFO | Belarina Alimentos

Quais são os maiores desafios enfrentados na transição de uma firma de Auditoria Externa para empresas da “economia real”?

Gonzalo Morales: Talvez o maior desafio esteja na adaptação a uma nova forma de trabalhar, isto é, na dinâmica e escopo do trabalho. Enquanto na firma de Auditoria Externa, costuma-se trabalhar por job ou projeto, com prazos bem definidos e frequência relativamente previsível (empresas abertas requerem revisões trimestrais, empresas fechadas, uma auditoria anual mais pesada). Numa empresa da “economia real” existe, sim, uma rotina, com reportes e entregas recorrentes, porém há uma boa parte das demandas que são imprevisíveis e que certamente somos incapazes de planejar, em virtude da mudança constante do negócio. Um bom exemplo é o recente período de pandemia. Para um Auditor Externo, a grande mudança provavelmente esteja ligada a uma análise mais rigorosa da solidez financeira das empresas clientes, ao risco de continuidade de negócios (muitas empresas tiveram a sua atividade totalmente paralisada), mas, essencialmente, o seu trabalho não mudou. Já na economia real, há algumas áreas de atuação, a exemplo da Tesouraria ou o do Planejamento Financeiro, que nos últimos meses mudaram completamente o seu dia a dia, redesenhando atividades e redefinindo prioridades, quase que diariamente, enquanto os seus respectivos negócios estagnavam ou simplesmente não paravam de crescer, dependendo do segmento de atividade da companhia.

Quanto ao escopo de trabalho, há um desafio enorme para o ex-auditor que está acostumado a revisar o trabalho dos outros (no caso, o da empresa), e normalmente o entregável é um parecer de Auditoria Externa ou um relatório específico, a exemplo de uma diligência ou de um trabalho sobre Controles Internos. Quando ele migra para uma empresa, não se trata mais de “revisar” se não de “executar”, de fazer o trabalho e cumprir com as entregas, seja para os clientes internos ou externos à organização. Muda muito a passagem do “teste de auditoria” para a execução de uma conciliação bancária, a entrega de um DRE e balanço, ou a consolidação de débitos e adesão a um regime de parcelamento tributário.

Fernando Hartvig de Freitas: Os desafios são vários, mas eu destacaria entender que o core do negócio mudou. Antes, o profissional fazia parte direta do core business e, agora, será suporte ao negócio principal, portanto, entender quais são os desafios do negócio e como ajudar na agregação de valor são fundamentais. Por último, entendo que ser humilde, estar aberto a aprender e escutar os profissionais do novo setor ajudará que a transição ocorra de uma forma muito mais tranquila para todos.

Léia Capuano: Na minha experiência, o maior desafio foi lidar com a expectativa da empresa/ empregador de que um ex-auditor tenha total conhecimento sobretudo relacionado à Contabilidade, Impostos e Controles Internos, como se a vivência na Auditoria nos deixasse acima dos demais profissionais. Outro ponto, obviamente, são as atividades que não vemos no processo de Auditoria Externa, por exemplo, como montar um Budget ou fazer uma ECF.

Na sua opinião, quais são as áreas internas de uma companhia pelas quais o Auditor Externo poderia entrar e fazer a transição da forma mais suave possível? E quais seriam as áreas pelas quais a transição seria mais árdua?

Gonzalo Morales: Sem dúvida, departamentos como Controladoria (englobando principalmente Contabilidade e Fiscal) ou Auditoria Interna facilitam a chegada de um profissional de Auditoria Externa em qualquer empresa, em virtude de serem disciplinas que conversam mais com a experiência prévia desse profissional. Auditoria Interna, dependendo do perfil da companhia e da forma de estruturação da área, pode até ser mais interessante para quem quer se aprofundar no conhecimento do negócio.

Em contrapartida, áreas mais técnicas ou ligadas ao negócio, como a Tesouraria, Planejamento Financeiro ou Controle de Gestão, embora mais atrativas pelo fato de agregarem novos conhecimentos e competências, devem dificultar um pouco essa transição. Não que o profissional não possa aspirar a uma função em algum desses departamentos, mas certamente ele não estará tão bem qualificado, e, de qualquer forma, uma eventual transição para alguma dessas áreas pode acontecer quando já estiver dentro da empresa. Aliás, é bastante comum observar profissionais de destaque na área de Contabilidade ou Auditoria Interna sendo convidados a migrar para áreas mais próximas do negócio, como o Planejamento Financeiro. Além de conhecer os números da companhia, o profissional que passou pela Auditoria Externa se beneficia desse movimento em função do seu perfil analítico.

Por fim, e até falando por experiência própria, uma área interessante para entrar numa companhia é a de Reporting e Consolidação, que existe tipicamente nas multinacionais. Para quem tem interesse mesmo pelo business, ele geralmente abrange no escopo tanto aspectos técnicos (reporte contábil e financeiro) quanto de negócio (performance operacional), o que permite aplicar os conhecimentos prévios numa rotina menos operacional/transacional, e, ao mesmo tempo, facilita a compreensão e interação com as áreas de negócio da companhia.

Fernando Hartvig de Freitas: Principalmente nas áreas em que os seus conhecimentos técnicos atuais serão mais requisitados, tais como: Contabilidade e Controles Internos, nas quais também será possível ganhar rapidamente mais conhecimento sobre o negócio, desafios e oportunidades de melhorias. Nas áreas de Planejamento (Financeiro & Estratégico) e Commercial Finance a transição é desafiadora porque os gaps técnicos serão muito difíceis de serem fechados em um curto espaço de tempo e as decisões precisam ser tomadas rapidamente, e nem sempre as organizações têm o tempo necessário para aguardar o desenvolvimento do profissional através da experiência na cadeira.

Léia Capuano: Acredito que isso deva depender muito do perfil de cada profissional. Conheço pessoas que se deram melhor na área de Auditoria Interna pelo trabalho ser mais parecido com o que fazíamos na Auditoria Externa. Entretanto, como foi uma área que eu não tive muita conexão, a ida para a Contabilidade foi árdua, mas mais prazerosa.

Se há interesse do Auditor Externo em fazer a transição para empresas, quais seriam, no seu ponto de vista, os fatores que ele deve considerar e avaliar para que não haja desalinhamentos ou surpresas futuras?

Gonzalo Morales: Em primeiro lugar, acredito que esse profissional deva se perguntar o que realmente o motiva a fazer essa transição, o que pode ser carreira, proximidade com o negócio, desenvolvimento da liderança, equilíbrio trabalho x vida pessoal, remuneração ou outras razões. Dependendo da resposta, poderia identificar quais as principais diferenças entre um e outro ambiente/escopo de trabalho. Isso pode ser feito através da leitura de publicações/matérias específicas sobre o tema, a exemplo desta aqui, ou mesmo em conversas com amigos e/ou ex-colegas que já tenham feito essa transição. Ter claro quais os gaps ou pontos de atenção ligados à principal motivação da mudança, deixará o profissional mais bem preparado e diminuirá as chances de desalinhamento ou surpresas futuras.

De maneira complementar, outro fator importante a ser considerado pelo profissional em transição são aqueles aspectos que menos o agradam da “economia real”. Se, por exemplo, o estilo de liderança não for aderente à cultura do tipo de companhia ou posição que procura, ou se a comunicação ou apresentações em público não estiverem entre seus pontos fortes, esse profissional poderia se antecipar e trabalhar previamente esses elementos no intuito de diminuir eventuais atritos quando da transição para o universo das empresas.

Fernando Hartvig de Freitas: A mudança de postura com relação ao seu papel na organização, onde o foco passa a ser não somente na identificação dos problemas, mas também na solução dos mesmos e de forma viável e sustentável. Outro ponto importante é entender que a rotina e a velocidade dos projetos não serão os mesmos porque são negócios distintos, portanto a resiliência e o foco no médio e longo prazo serão fundamentais.

Léia Capuano: A jornada de trabalho na Auditoria Externa e a pressão para finalizar o trabalho às vezes faz o profissional decidir sair da Auditoria Externa sem analisar com calma o que isso significa. Então, antes de qualquer coisa, o ideal seria conversar com outros profissionais que fizeram a transição para entender como é o dia a dia nas empresas. Na Auditoria Externa, já temos determinadas a função de cada um, mas isso é bem diferente na “economia real”. Cada empresa tem a sua particularidade e, dessa forma, sempre é bom se certificar por quais áreas ele será responsável, qual a autonomia (obviamente, a depender do cargo que a pessoa irá ocupar) e quão experiente é a equipe que ele irá gerenciar. Para os casos em que falta a experiência do profissional ex-auditor, a experiência da equipe deveria sanar esse gap.

Para o profissional de Finanças, quais são os principais ganhos, em termos de carreira, de ter tido experiência em uma firma de Auditoria Externa para a composição de seu conjunto de habilidades, conhecimentos e atitudes?

Gonzalo Morales: A passagem por uma firma de Auditoria Externa certamente constitui uma excelente escola para qualquer profissional de Finanças. Além das competências técnicas (contábeis e fiscais, principalmente, mas as também ligadas à gestão de riscos e administração) que complementam a educação universitária com uma intensa, constante e variada aplicação na prática, outras habilidades como organização, gestão do tempo, compromisso com entregas, flexibilidade e liderança, dentre outras, são desenvolvidas já desde o começo do ciclo numa Big 4, o que, de certa forma, acaba acelerando a carreira do profissional.

De toda forma, no meu ponto de vista, talvez a maior contribuição que a experiência numa firma de Auditoria Externa possa proporcionar olhando para a carreira no médio e longo prazo é a diversidade de empresas e, consequentemente, tipos de negócio, que podem ser conhecidos através dos trabalhos de Auditoria Externa, Controles Internos ou mesmo uma diligência. Da indústria ao varejo, passando pelos serviços ou, hoje em dia, empresas de tecnologia, sejam estas nacionais ou multinacionais, a bagagem de conhecimento e multiplicidade de experiências é de um valor incalculável, que enriquece muito e que acaba sendo levado para o resto da vida profissional, contribuindo para o desenvolvimento de uma visão mais ampla e flexível, não apenas do perímetro das Finanças, senão também do segmento de negócio de atuação desse profissional.

Fernando Hartvig Freitas: O conhecimento contábil, de Controles Internos e identificação de riscos, sem dúvida, são os principais, do ponto de vista técnico, mas que também agregarão muito nos próximos passos da carreira, seja em Finanças ou em outras áreas da organização. A liderança desenvolvida na gestão das equipes e projetos ajudará muito o profissional a se comunicar de forma mais eficiente e a sempre se manter focado em atender os objetivos estabelecidos e os prazos. Ao longo da carreira na Auditoria Externa, o profissional acaba se tornando autodidata por natureza (e sobrevivência!), e isso acaba o ajudando muito porque sempre estará buscando ganhar novos conhecimentos e estar atualizado, portanto não ficará “aguardando” ser desenvolvido, mas sempre irá buscar esse desenvolvimento em qualquer atividade que exerça.

Léia Capuano: A Auditoria Externa, sem dúvidas, é um enorme aprendizado. O conhecimento técnico adquirido durante os anos é a maior herança da Auditoria. Além disso, por atendermos clientes e trabalharmos com diversas equipes, aprendemos que a comunicação é essencial para um bom desenvolvimento do trabalho. A liderança é um dos melhores skills que trazemos para a “economia real”.