Career Insights

Por Gustavo Fujimoto

 

A implementação de Incentivos de Longo Prazo (ILP) representa uma estratégia fundamental para alinhar os interesses de colaboradores e stakeholders ao sucesso contínuo de uma organização. Porém, a tentação de simplesmente “copiar e colar” estratégias de ILP de outras empresas pode resultar no fracasso do programa e na assumpção de riscos significativos. Cada organização possui uma cultura, estrutura, objetivos e desafios únicos, que devem ser cuidadosamente considerados ao desenvolver um programa de incentivos eficaz. Podemos organizar a escolha do tipo ideal de incentivo em 4 passos: os tipos de liquidação, a determinação do valor do ganho oferecido ao participante, o critério de apropriação e o impacto financeiro. Vejamos mais sobre eles a seguir.

 

Tipo de liquidação: ações ou dinheiro 

A escolha entre ações e dinheiro como forma de liquidação pode influenciar tanto a percepção de valor, por parte dos beneficiários, quanto a eficácia do incentivo para a empresa. 

A liquidação em ações melhora o sentimento de dono, e proporciona aos participantes uma conexão mais direta e pessoal com os resultados da empresa, uma vez que tornam-se efetivamente sócios do negócio. Essa estratégia também garante melhor alinhamento de incentivos entre o participante e o acionista, e reduz o consumo de caixa da empresa. Contudo, existem cuidados a serem tomados:

Origem e disponibilidade de ações — para execução do plano, deve-se determinar se a participação será disponibilizada diretamente pelos sócios e/ou mediante novo aumento de capital, seja imediato (alocado em tesouraria) ou mediante emissão futura. Nesse sentido, é imprescindível ter visibilidade e controle sobre a diluição causada pelo plano e os compromissos assumidos com os participantes. 

Adequação da governança — empresas de capital fechado precisam ter um cuidado especial com a governança interna, garantindo a existência de um estatuto social e um sólido acordo de sócios; é também necessário organizar eventuais direitos políticos conferidos aos participantes e estabelecer como será honrado o dever de transparência quanto às informações financeiras e operacionais da empresa. 

Estratégia de liquidez — a estratégia de liquidez das ações recebidas pelos participantes é um aspecto central para garantir a eficácia dos planos e pode ser desenhada para um IPO/venda da empresa, programa de recompra de ações e/ou distribuição de dividendos.

Enquadramento fiscal — multinacionais, com residentes fiscais em muitos países diferentes, vão precisar de uma análise tributária/trabalhista em cada país para entender o tratamento de pagamento baseado em ações. É comum que existam benefícios fiscais para alguns planos de incentivos com ações, mas os requisitos podem variar radicalmente. Além disso, o participante vai ter que lidar com o processo de liquidação das ações e repatriação de recursos, o que leva muitas empresas a buscar a simplicidade da liquidação em dinheiro.

Por outro lado, a liquidação em dinheiro se adequa bem às empresas que não podem admitir os riscos advindos do ingresso de minoritários no quadro societário ou desejam maior flexibilidade de regras no plano. Nestes casos, a desvantagem recai na necessidade de organização do impacto financeiro em caixa para execução do plano, já considerando todos os encargos trabalhistas e previdenciários incidentes.

 

Determinação do valor do ganho oferecido ao participante

Há diferentes maneiras de determinar o valor do ganho do participante de ILP. Cada modelo traz características específicas que podem ser mais ou menos atrativas, dependendo do contexto da empresa:

Valor integral (Ações Restritas, Phantom Stocks) — é a maneira mais simples de aumentar a remuneração total, tendo uma parcela alinhada com o ganho do acionista. O ganho econômico do participante é equivalente ao valor integral de uma determinada participação na empresa. Este ganho pode ser pago via transferência das ações ou com a quantia correspondente em dinheiro. É o formato mais adotado nos planos de ILP atualmente, devido a sua simplicidade, alta percepção de valor pelo participante e flexibilidade para adequação em empresas de diferentes portes. Contudo, ao incorporar esses valores na remuneração, as empresas precisam atentar aos encargos trabalhistas no impacto financeiro total.

Valorização (Stock Options/Stock Appreciation Rights) — o ganho econômico do participante é definido pela diferença do preço de determinado número de ações da empresa (comparando-se o preço no momento da adesão do participante ao plano e na data de liquidação). Este ganho econômico também pode ser aferido pelo participante na forma de ações ou da quantia equivalente em dinheiro. Apresenta algumas vantagens em relação aos modelos de valor integral, uma vez que gera menor impacto financeiro por ação outorgada, cria maior alinhamento para cenários de maior valorização das ações e, em alguns casos, pode receber enquadramento fiscal mercantil, sem incidência de encargos trabalhistas ou previdenciários. Contudo, é importante notar que a comunicação de valor e o risco inerente a este instrumento exigem um cuidado especial, evitando a frustração do participante, se o ganho não for materializado. Além disso, é necessário realizar a contabilização adequada do plano, mediante atribuição do valor justo das opções, usando um modelo de precificação de derivativo. Estes modelos são muito utilizados em startups de tecnologia e empresas que buscam valorização expressiva no preço das ações.

Incentivos de performance (Phantom Units/Bônus Diferido) — nesta forma de incentivo, o ganho econômico do participante é pago somente em dinheiro e determinado por uma fórmula ou por uma unidade fictícia, mas com lastro no valor de ações reais. Tem melhor aderência em empresas que não possuem uma metodologia clara de apuração do valor por ação, ou que buscam alinhar o incentivo ao atingimento de metas específicas. O ponto de atenção é a capacidade de estabelecer e fixar as metas de longo prazo, que determinarão o valor das units/bônus. Em caso de distorção das metas, pode haver desalinhamento em relação aos objetivos dos acionistas.

Desconto na aquisição (Compra Direta/Stock Matching) — o ganho econômico do participante baseia-se em um desconto ou uma contrapartida da empresa, caso o colaborador compre ações da empresa. A participação adquirida normalmente fica sujeita a algum período de restrição de venda, podendo estar atrelado a um calendário de vesting ou lock-up. Esse formato de incentivo tem aplicações bastante distintas. É muito usado para executivos de alto escalão, que recebem oportunidade de aplicar parte do bônus em ações da empresa, ou potencializar seus ganhos com o matching, mas também pode ser usado em planos de incentivos mais amplos, para incentivar qualquer colaborador a se tornar sócio. O segundo exemplo costuma ser vinculado a um programa de educação financeira, para explicar o papel das ações no portfólio de investimentos pessoais de cada colaborador.

 

Critério de apropriação

Uma vez definido o valor, o próximo ponto é o critério de apropriação. Ou seja, o que o participante precisa fazer para garantir o direito ao upside

O primeiro ponto que é presente em praticamente todos os Incentivos de Longo Prazo é o vesting, ou seja, o período de  apropriação de direitos ou participações mediante decurso de tempo do participante ativo na empresa. O vesting também pode ser “reverso”, ou seja, o participante deve permanecer ativo durante determinado período, sob pena de perder direitos ou participações já recebidos.

Prazo de vesting — em geral, exige-se um intervalo de 3 a 5 anos para que o participante receba o direito integral do ILP recebido. 

Periodicidade da apropriação — o mais comum é que o direito seja apropriado anualmente, para que a empresa não precise realizar transferências de ações inúmeras vezes ao ano. Por exemplo, em um calendário de vesting de 4 anos, a pessoa recebe ¼ das ações em cada ano. Contudo, em modelos como o de startups, em que o participante é incentivado a acumular o direito econômico até o evento de liquidez, é muito comum o vesting mensal, para aumentar o engajamento do participante, e deixar o acúmulo do direito mais distribuído no tempo.

Cliff — principalmente nos casos de apropriação mensal, é muito comum estabelecer um período de carência inicial, antes da primeira apropriação de direitos/participação. Por exemplo, no caso de um calendário de vesting de 48 meses com apropriação mensal e com 12 meses de cliff, a pessoa só receberá a primeira tranche após 12 meses. O mais comum é que esse período esteja incorporado no total do vesting, e se aplique uma acumulação retroativa (no exemplo, após os 12 meses a pessoa recebe 25% das ações, tendo apenas 36 meses restantes para cumprimento)

Vestings não lineares — ao invés de estipular uma cadência linear, onde todas as tranches possuem o mesmo número de ações, muitas empresas têm optado por distribuições não lineares. Isso pode ser feito para concentrar o benefício no começo do período, e torná-lo mais atrativo, ou para concentrar ao final, e reforçar o efeito da retenção de longo prazo.

Além do elemento de tempo, podem ser incorporados componentes de performance como critério de vesting. No caso de inclusão de meta individual, o ponto de atenção é o mesmo dos Planos de Performance (Planos de Units ou de Bônus Diferido), qual seja a capacidade de estabelecer e fixar metas claras para objetivos de longo prazo. Também é possível a inclusão de metas relacionadas a indicadores de mercado, como o atingimento de valor mínimo das ações como condição de resgate das ações.

 

Impacto financeiro

Um importante aspecto a ser observado nos Incentivos de Longo Prazo é seu enquadramento fiscal: o instrumento pode ter natureza fiscal mercantil ou remuneratória. 

Se verificada a natureza remuneratória, são exigidas contribuições previdenciárias e trabalhistas, além do Imposto de Renda retido na fonte. Por outro lado, se o plano for considerado mercantil, a única incidência fiscal é de Imposto de Renda sobre o ganho de capital eventualmente aferido pelos beneficiários com a venda da participação adquirida.

Especificamente no que diz respeito à regulamentação das Stock Options no Brasil, o tema é controvertido e está em discussão por meio do Projeto de Lei n. 2.724/2022, conhecido como “Marco Legal das Stock Options”. Entretanto, há debates sobre a completude e clareza do referido Projeto de Lei para sanar as lacunas de tratamento das Stock Options e, adicionalmente, não há quaisquer movimentações recentes que indiquem sua iminente aprovação pelo Congresso Nacional, perpetuando o cenário de incerteza.  

Em geral, as decisões que conferiram natureza mercantil a Planos de Stock Options levaram em consideração a onerosidade, voluntariedade e os fatores de risco do instrumento, que o aproxima de um título comprado no mercado de capitais. Para reforçar a onerosidade do instrumento, algumas empresas têm inclusive cobrado um valor de prêmio para a cessão das opções de compra aos participantes. Na outra ponta, nos planos de valor integral, bônus diferidos e outros incentivos claramente remuneratórios, deve-se levar em consideração os encargos trabalhistas aplicáveis, uma vez que nestes planos não constatasse a presença do fator “risco” e os demais de enquadro mercantil.

O impacto total do Incentivo de Longo Prazo nas demonstrações financeiras deve observar as normas contábeis, principalmente IFRS-02/CPC-10, que regulam o pagamento baseado em ações. Mesmo que o instrumento seja liquidado em ações, em um momento futuro, o compromisso da empresa deve ser contabilizado ao longo do tempo. Importante notar que o valor a ser reconhecido deve considerar o “fair market value”, que impacta principalmente os planos de opções de compra, que exigem aplicação de modelo de precificação de derivativos como Black-Scholes, Monte-Carlo e outros.

 

Considerações finais

Uma última consideração em relação à escolha do modelo de ILP é o cuidado em não seguir cegamente as “práticas de mercado”. É importante realizar benchmarking para entender as decisões que os pares tomaram em situações semelhantes, principalmente para trazer pontos que não estavam sendo considerados antes, e fazer o sanity check. Mas é preciso ter em mente que o tema ainda é incipiente no Brasil e, em alguns segmentos, as cópias feitas sem reflexão levam apenas a uma padronização dos erros. Tendo clareza do momento da empresa, contexto cultural e objetivos do plano é possível escolher com segurança o melhor tipo de Incentivo de Longo Prazo.

Gustavo Fujimoto

Fundador da Distu

Gustavo é fundador da Distu, empresa especializada em criação e gestão de Incentivos de Longo Prazo. Anteriormente foi CFO do grupo Alura, trabalhou com finanças corporativas na Highline do Brasil (empresa do Pátria Investimentos), e no Itaú Wealth Management. Graduado em Ciências Econômicas pela Unicamp.